Polêmica conversa entre juiz e assessora vaza e vai parar em sentença em SC

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Uma conversa entre o juiz da 1ª Vara da Família de Comarca de Joinville, Gustavo Schwingel, e a assessora dele foi parar, por engano, dentro da sentença proferida por este mesmo magistrado em um ação de divórcio litigioso.

Tão logo saiu a sentença, o advogado de uma das partes abriu e percebeu a conversa por WhatsApp entre o juiz e assessora. A conversa ocupou exatas seis páginas da sentença.

Na conversa, o magistrado e sua assessora tratam do que fazer com o processo. Parecem fazer julgamento antecipado, atropelando as fases do processo que ainda tinha pendências a serem resolvidas, segundo o advogado. Em alguns momentos, a conversa entre os dois soa certa ironia, um tom de zombaria quando se referem a uma das partes.

O magistrado dá a entender que um ofício basta, não precisa nova audiência e, a certa altura, diz o “advogado quer chupar o cara até o caroço”. 

Parte da conversa (veja mais abaixo)

[18:55, 25/03/2021] Assessora: Eu tenho raiva dela já kkk ela e esse advogado só incomodam

[18:56, 25/03/2021] Juiz: Mas antes um novo ofício do que ouvir o cara para explicar um contrato de trabalho

[18:56, 25/03/2021] Assessora: Exatamenteeeee

[18:56, 25/03/2021] Juiz: Ademais a oitiva pode ser suprida pelo ir dele caso permaneça dúvida

[18:57, 25/03/2021] Juiz: Ela adoraria pegar o ir der

[18:57, 25/03/2021] Juiz: Dele

[18:57, 25/03/2021] Assessora: Ela pediu a quebra de sigilo bancário dele

[18:57, 25/03/2021] Assessora: Foi indeferido

[18:57, 25/03/2021] Juiz: Advogado quer chupar o cara até o caroço

[18:57, 25/03/2021] Assessora: Ela diz que ele oculta dinheiro

Segue a conversa….

Em outros trechos, um pouco abaixo, a assessora diz que o processo a persegue, dando a entender que quer livrar-se logo do caso. Inclusive disse que ela e o juiz mereciam indenização.

18:58, 25/03/2021] Assessora: Esse processo me persegue desde o dia que começamos nessa vara hahahah

[18:58, 25/03/2021] Assessora: Acho que a primeira ligação de atendi foi deles

[18:58, 25/03/2021] Juiz: Então vamos acabar com ele logo

***

[19:43, 25/03/2021] Juiz: O carro está em nome da empresa

[19:43, 25/03/2021] Assessora: Eu não lembro direito o que exatamente ela alegou

[19:39, 25/03/2021] Juiz: Isso ela já deve apresentar na inicial sob pena de violação ao princípio da correlação

[19:39, 25/03/2021] Assessora: Eu já nem lembrava. Mas tem esses danos aí tbm

[19:41, 25/03/2021] Juiz: Dano? Pelo que?

[19:41, 25/03/2021] Assessora: Lembra? Ela diz que ele deu pra ela e tals e que é dela kkk

[19:41, 25/03/2021] Juiz: Móveis com testemunha? Pode esquecer

[19:41, 25/03/2021] Assessora: O carro

[19:42, 25/03/2021] Juiz: O carro sim

[19:42, 25/03/2021] Assessora: Sim. Isso não

[19:42, 25/03/2021] Juiz: Digo o dano moral e material

[19:42, 25/03/2021] Assessora: Ahhhh ela sofreu muito

[19:42, 25/03/2021] Assessora: Kkkkk

[19:42, 25/03/2021] Juiz: O documento do carro está em nome da firma, certo?

[19:42, 25/03/2021] Assessora: Ele foi horrível com ela

[19:42, 25/03/2021] Assessora: Ela

[19:42, 25/03/2021] Juiz: A gente também

[19:42, 25/03/2021] Juiz: Com a gente também

[19:42, 25/03/2021] Assessora: Hahahha siiiiim. Merecíamos indenização

***

[19:47, 25/03/2021] Assessora: 50 salários mínimos ela quer

[19:48, 25/03/2021] Assessora: Os danos materiais tem a ver com o fato de ela ter cancelado a Unimed dela pra ficar só na dele e agora se lascar sem Plano de saúde

[19:48, 25/03/2021] Assessora: Não pra confiar nesses maridos

***

[19:54, 25/03/2021] Assessora: Aiiii

[19:54, 25/03/2021] Assessora: Esse processo é o oh

[19:55, 25/03/2021] Assessora: Dr., se você não resolver ele nessa audiência. Não sei quem fará essa sentença kkkk

[19:55, 25/03/2021] Juiz: Se esse é o ponto controvertido atual, acho que podemos julgar.

[19:55, 25/03/2021] Assessora: Você precisa fazer essa aÍ pelo bem geral da nação

***

Em outro trecho da conversa que aborda danos morais e materiais, o magistrado escreve que a mulher “não foi espancada” “não foi estuprada”, parecendo minimizar a situação de uma das partes, soando até uma atitude machista.

20:16, 25/03/2021] Juiz: Fatos narrados (mesmo que reconhecidos como ocorridos) são inerentes a um processo de separação litigioso sem que com isso se transmude para ato ilícito e seu resultado em dano moral

[20:16, 25/03/2021] Juiz: São aborrecimentos

[20:16, 25/03/2021] Juiz: Separação é triste

[20:16, 25/03/2021] Juiz: Casamento é feliz

[20:17, 25/03/2021] Juiz: E vice-versa!

[20:17, 25/03/2021] Juiz: É a vida

[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi espancada

[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi estuprada

[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi morta

[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi esfaqueada?

[20:17, 25/03/2021] Assessora: Hahahhahah

[20:18, 25/03/2021] Juiz: Então foi um casamento normal

[20:18, 25/03/2021] Juiz: Sofreu psicologicamente?

[20:18, 25/03/2021] Assessora: Vou salvar e fazer um quadro pra colocar no gabinete com essas conclusões

[20:18, 25/03/2021] Assessora:

[20:18, 25/03/2021] Assessora: [SOBRENOME], [NOME DO JUIZ]. 25/3

[20:19, 25/03/2021] Assessora: Kkkk

[20:19, 25/03/2021] Juiz: Todos passam por isso por conta da natureza do evento em si sem que isso configure

ato ilícito e dano moral ressarcivel

[20:19, 25/03/2021] Juiz: Bota no fundo da sala de aud

***

Ao final da conversa, o juiz faz um alerta à assessora para que use os termos certos para não dar margem a um recurso por cerceamento.

[20:50, 25/03/2021] Juiz: Só cuida quando julgar para não usar termos como “não provou”

[20:51, 25/03/2021] Juiz: Se precisar diga que os documentos levam à conclusão….

[20:51, 25/03/2021] Juiz: ….contrária à tese apontada

[20:52, 25/03/2021] Juiz: Já que vamos julgar antecipadamente precisa cuidar com esses termos ou destacar que a prova documental é essencial para dirimir tal ponto controvertido

[20:52, 25/03/2021] Juiz: Sempre fugindo de uma brecha atinente à necessidade ou possibilidade de uma prova oral para auxiliar na conclusão

[20:53, 25/03/2021] Juiz: Pois aí um recurso de cerceamento ganha espaço

Advogado denunciou caso

Perplexo e indignado, o advogado, que neste momento prefere não se identificar, denunciou o caso à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Joinville e à OAB de Santa Catarina.

Nos próximos dias, promete levar o caso à corregedoria do Tribunal de Justiça de SC e ao Conselho Nacional de Justiça, para fins de apurações e aplicação das medidas cabíveis.

“No processo havia pendências a serem resolvidas, inclusive, havia sido determinado pelo próprio juiz a realização de um estudo psicossocial e haviam sido arroladas testemunhas que seriam ouvidas na audiência de instrução a ser designada futuramente, ou seja, havia a necessidade de produção de outras provas. Nada disso aconteceu, sem qualquer explicação ou justificativa minimamente plausível, “atropelando fases do processo e cerceando a defesa da mulher”, pontuou o advogado. 

Para ela, a situação escancara o que há de pior nos bastidores no gabinete da 1ª Vara da Família de Joinville, e “demonstra claramente a forma reprovável com que os processos estão sendo julgados pelo magistrado em questão.“

E continua: “a conduta (do juiz) é vergonhosa e afronta não só a dignidade do poder judiciário, mas de toda a classe jurídica de Joinville, Santa Catarina e do País.”

A sentença deste caso foi disponibilizada no sistema e-proc no dia 31/03/2021. Houve o feriadão. No dia 5/04, o magistrado excluiu a decisão do sistema, sendo que o advogado já havia sido intimado da decisão ainda no dia 2. 

Em seguida, no mesmo dia, o magistrado coloca outro despacho no sistema determinando o cancelamento do evento (da primeira sentença) justificando “porquanto não se tratava de despacho, decisão ou sentença.” Mas o fato é que ele já havia determinado o cancelamento ao excluir a decisão do processo do sistema.

“Repudio a conduta do juiz, totalmente incompatível com o que os cidadãos, seus jurisdicionados, e operadores do direito poderiam esperar de um magistrado, mais grave ainda em se tratando do juiz titular de uma Vara de Família”, continua o advogado. 

Sobre a conversa ir parar na sentença

Para o advogado, quando um juiz assina um documento e publica, a responsabilidade é do juiz e não da assessora ou da estagiária.

O advogado rechaçou toda a conversa entre o juiz e a assessora que veio à tona, especialmente alguns trechos, como “o advogado quer chupar o cara até o caroço”.

“Toda essa conversa é uma anomalia tão grande que o próprio magistrado se deu conta e excluiu a sentença. O mínimo que o juiz deve fazer é se declarar suspeito, se retratar e sair do processo”, complementa o advogado.

No entanto, o que mais causou espanto ao advogado foi o desleixo com que o magistrado tratou o caso.

“Não interessa eu sou advogado do homem, da mulher, seja lá de qual parte. Esse tipo de processo envolve sentimentos. O juiz jamais poderia julgar esse tipo de matéria extremamente delicada sem ao menos ter conhecimento profundo dos fatos”, critica.

Outro ponto grave, para o advogado, é o cerceamento da defesa que o juiz fez em determinados trechos da conversa. Isto porque, ao invés de designar a audiência de instrução, como já estava previsto, ele simplesmente não permitiu que a mulher produzisse as provas, contrariando o que prega a Constituição.

Juiz deixa caso

Por volta das 18h40, a reportagem do Grupo ND tomou conhecimento de que, diante dos fatos, o juiz decidiu deixar o processo. Em seu despacho, fala sobre o incidente de suspeição, o que não garante mais a segurança jurídica necessária para julgar o caso de forma adequada.

O processo será enviado ao substituto legal, que dará novo julgamento ao caso de divórcio litigioso.

O que dizem:

OAB Joinville

“Com temperança e  prudência” – A OAB Joinville tão logo tomou conhecimento dos fatos, por meio de reclamação do advogado via Comissão de Prerrogativas,  iniciou os procedimentos cabíveis prestando orientação ao advogado e solicitando esclarecimentos do caso aos envolvidos.  Ressalta que,  por se tratar de processo judicial envolvendo segredo de justiça, a temperança e a prudência são imperativos absolutamente inafastáveis, bem por isto se limita a informar que tomará as providências com propriedade,  adequadas ao caso tão logo receba as informações completas.”

OAB Santa Catarina

A assessoria informou que está em contato com presidente da subseção e, assim que conseguir um posicionamento, irá encaminhá-lo.

A reportagem também entrou em contato com o Tribunal de Justiça, mas até o fechamento desta matéria não havia recebido o posicionamento.

Raquel Schiavini Schwarz, JOINVILLE
Fonte: ndmais.com.br

1/Comentários

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  1. Normal, todos sabemos que na grande maioria das Varas (pra n dizer todas) quem julga são os acessórios e estágiarios (“segundo entendimento do magistrado”)para dar “celeridade aos processos” anomalias como essas são inevitáveis.

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