O prazo de Patentes após Decisão do STF: o fim da Bengala Legal para Ineficiência Administrativa

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O Alvará de 28 de abril de 1809, publicado no Império do Brasil, por Dom João VI, já previa o direito dos inventores ao gozo exclusivo de suas invenções. As patentes, amplamente discutas em tempo de pandemia e recentemente analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já estavam presentes no Século XIX.

O Acordo TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), que versa sobre aspectos mundiais de propriedade intelectual, foi incorporado ao sistema brasileiro pelo Decreto n° 1.355 de 1994.  

Com a Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279 de 1996), as patentes passaram a ser regulamentadas no país. Por essa legislação, nos termos do artigo 40, o inventor tem o direito de exploração econômica de sua invenção, de forma exclusiva, pelo prazo de 20 (vinte) anos a contar do depósito do seu pedido de patente. No caso de modelo de utilidade, o prazo é de 15 (quinze) anos. 

Esse prazo, durante toda a vigência da legislação citada, contava com uma prorrogação automática, descrita no parágrafo único do artigo 40. Segundo esse parágrafo, a vigência do prazo de patente não poderia ser inferior à 10 (dez) anos, a contar da concessão da patente.  Com isso, se o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), por motivos de demanda, levasse 15 anos para a análise e concessão de um pedido de patente, o prazo de vigência dessa proteção se daria por 25 anos. 

Ou seja, segundo o parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279, o prazo total de vigência de uma patente de invenção, por exemplo, dependeria do tempo de análise do INPI. Esse cenário levou a concessão de patentes com vigências variáveis.  

Diante dessa situação, a Procuradoria-Geral da República ajuizou Ação Direta de Constitucionalidade (ADI 5529) contra o parágrafo único do artigo 40. Em sede de análise liminar, o pedido foi julgado pelo Ministro Dias Toffoli, que suspendeu a prorrogação do prazo às patentes de produtos farmacêuticos e materiais de saúde, sob fundamento de afronta à insegurança jurídica e impacto nas políticas públicas, especialmente relacionadas à saúde pública nacional de acesso à medicamentos e tecnologias em saúde. 

Em plenário, em 06 de maio de 2021, o STF, por nove votos (Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio) contra dois (Luís Roberto Barroso e Luiz Fux), declarou a inconstitucionalidade do dispositivo. 

A decisão trouxe à tona questões relacionadas à função social e interesse público do direito à propriedade, a garantia dos princípios da segurança jurídica, livre concorrência e duração razoável dos processos administrativos, além de questões relacionadas às políticas públicas em saúde e acesso à medicamentos. 

Na análise dos autos, verificou-se que a prorrogação de patentes, sem determinação de um prazo fixo, afeta diretamente a produção de medicamentos genéricos e similares, gerando privilégio excessivo aos detentores das patentes, que já possuem o direito garantido pelo prazo de 20 (vinte) anos, independente do tempo do processo de concessão. 

Os ministros entenderam que a prorrogação acarreta um atraso no desenvolvimento científico do país, sendo, portanto, incompatível com a Constituição Federal. 

Os votos divergentes basearam-se no fato de que a demora na análise pelo INPI, que chega em média à 10,6 anos, pode afetar a exploração do direito de patente, uma vez que o depósito não configura um direito propriamente dito, mas sim e, apenas, uma expectativa de direito. Sendo que a determinação exposta pelo legislador, pode ser boa ou ruim, porém que não traz violação à Constituição Federal. 

Os votos divergentes trouxeram um debate significativo para área, pois levantam a questão de afugentar investidores e pesquisadores do país, impactando de forma indireta no desenvolvimento científico de novas tecnologias, especialmente, novos medicamentos e vacinas. 

Os efeitos da decisão serão modulados e na decisão já foram estipuladas recomendações ao legislativo e ao próprio INPI. 

Toda essa discussão incentiva a reflexão quanto ao instituto das patentes e a sua importância no desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do país. 

As patentes possuem a função de incentivar pesquisadores, investidores e indústrias no desenvolvimento de tecnologias inovadoras. Essas pesquisas que são, em sua vasta maioria, longas e onerosas, demandam tempo, alto investimento e recursos humanos valiosos. Sem o instituto das patentes, que visa garantir a exploração econômica exclusiva, para ressarcimento de investimentos despendidos e promoção de capital para novas pesquisas, não haveria interesse da indústria nacional e internacional no desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente, em saúde. 

Os novos medicamentos e vacinas passam por um longo trajeto até sua aprovação e registro pelos órgãos regulatórios, que engloba pesquisas in vitro, testes em animais e, também, complexos testes com seres humanos. Grande parte dos testes não passam em todas as fases e acabam por fracassar, tendo por consequência, inúmeros prejuízos relacionados àquela pesquisa. Com isso, a função das patentes é primordial para o desenvolvimento científico e, também, para a saúde nacional e mundial, a exemplo da corrida pelas vacinas do novo coronavírus.

Entretanto, isso não significa que o direito de patente é absoluto, ilimitado ou, ainda, que possa ser excessivo, afrontando outros direitos também fundamentais. A decisão do STF poderá trazer impactos significativos para as indústrias e para o interesse dos investidores no território nacional, entretanto, não traz nenhuma inovação em relação ao cenário internacional quanto a legislação dos outros países. É certo que o prazo de vigência de 20 (vinte) anos das patentes de invenção continua assegurado e está em consonância com o Acordo Internacional sobre o tema. 

Agora será necessário, portanto, a modulação dos efeitos e o cumprimento das recomendações concedidas pelo Supremo Tribunal Federal. É essencial que medidas sejam tomadas no sentido de resolução dos entraves administrativos que envolvem a análise dos pedidos de patentes, afinal, a legislação não pode servir de bengala para ineficiência administrativa, a qual se perdura por mais de 20 anos. 

Por Thamires Pandolfi Cappello - Doutoranda e pesquisadora sanitarista na Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela PUC/SP. Fundadora da Health Talks BR.

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