Dos crimes cibernéticos: A exposição íntima sem o consentimento da vítima na internet

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RESUMO: A partir da evolução da internet e o rápido compartilhamento de informações, bem como a facilidade da divulgação de fotos de possíveis vítimas uma vez que a violência virtual é complexa, se faz necessário uma investigação sobre o assunto pelo fato de o problema não se encerrar no espaço cibernético. Devemos levar em consideração que há a possibilidade de que essas informações possam chegar a milhares de usuários por meio de apenas um clique, pois a internet passa por fronteiras e continentes do mundo e assim se torna reiterada a agressão publicada. Além dos crimes físicos surgiram também com essa constante globalização os crimes virtuais que na maioria das vezes deixam as vítimas sem saída, pois esses crimes acontecem até mesmo sem que o criminoso conheça a vítima em casos de hackers que invadem as redes sociais e roubam fotos íntimas, para posteriormente publicarem nas mídias sociais, configurando-se assim dentre esses crimes virtuais um crime contra a dignidade sexual. Portanto, o presente estudo tem como objetivo demonstrar como esse tipo de prática está cada vez mais visível no meio eletrônico, bem como apresentar as informações de necessárias para o seu devido combate através do sistema de proteção que consta no ordenamento jurídico, tudo isso se utilizando de uma linguagem objetiva e de fácil compreensão.

INTRODUÇÃO

A sociedade vive em um processo de construção e evolução. Diante desse cenário, o Direito tem a árdua tarefa de acompanhar essa evolução que atinge todos os setores da economia e as esferas da sociedade criando impactos sobre as relações humanas, o que implica em direitos e deveres novos diante das situações cotidianas. Além disso, quando tratamos sobre bens jurídicos tutelados, novos tipos e espécies são criados e precisam de uma devida proteção.

É nesse cenário que as práticas delituosas, bem como seus agentes, são munidas de novas estratégias. Com a revolução tecnológica que teve seu advento com a criação da internet que conecta todos a todos os momentos e em todos os lugares, novas formas de crimes foram criadas e é necessário que o Direito regule essas práticas com a devida imposição de sanções para que se possa garantir o devido cuidado sobre os bens jurídicos que venham a ser lesados com essas ações.

Junto com a evolução da internet criou-se uma falsa ideia de que os crimes cometidos nela irão ficar impunes que é algo já sustentando em nossa cultura, além dos crimes “físicos”, junto com essa evolução, surgiram os crimes virtuais, que por vezes podem ocorrer até sem que o criminoso conheça a vítima. Há muitas facilidades para os criminosos invadirem, por exemplo, o celular da vítima e divulgarem fotos íntimas sem o consentimento, pois, é naturais que se manifestem novos fenômenos sociais e novas formas de violações a direitos já existentes.

Além disso, as mídias sociais se tornaram essenciais na vida das pessoas e assim surgiram diversos avanços que possibilitaram as pessoas se comunicarem uma com as outras apenas por um clique tornando as relações ainda mais próximas umas das outras, entretanto surgiu a problemática dos crimes cibernéticos, exposição e compartilhamento de conteúdo sem o consentimento da vítima.

Por conseguinte, muitas das vezes a internet é vista como uma terra que não há leis para que sejam punidos os que cometem crimes virtuais, porém isso vem mudando com o passar dos tempos, pois surgiram novas leis para punir quem comete este tipo de crime. Um exemplo disso foi a criação da lei 12.737/2012 mais conhecida como lei Carolina Dieckmann após hackers invadirem o e-mail da atriz e terem acesso as fotos intimas dela e compartilharem nas mídias sociais com apenas um clique.

Ante desse cenário, o presente trabalho pretende, a partir da compreensão da complexidade dos crimes de violação cibernético contra a vítima que têm expostas muita das vezes fotos, vídeos compartilhados nas redes. Foi escolhido este tema da pesquisa que mostrará como acontece a exposição da vítima na internet e a forma como é cometido esse tipo de crime virtual. Dessa maneira, para a realização deste estudo serão realizadas pesquisas bibliográficas por meio de artigos e periódicos sobre conceitos e teorias relacionadas a jurisprudencial acerca do tema proposto por meio de pesquisa descritiva.

1. OS CRIMES CIBERNÉTICOS: GENERALIDADES, CONCEPÇÃO JURÍDICA E ATUALIDADES

A evolução tecnológica é uma realidade, todos os dias surgem novas ferramentas à disposição dos usuários para se conectarem uns com os outros. Entretanto, apesar desta constante evolução, surgiram problemas e crimes virtuais, pois muitos criminosos utilizam desta ferramenta de fácil acesso para cometer delitos. De acordo com Augusto Eduardo de Souza Rossini (2014, pág. 110) o conceito de crimes cibernético, ou melhor, delito informático:

O conceito de “delito informático” poderia ser talhado como aquela conduta típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade a confidencialidade. (ROSSINI, pág. 110, 2014)

Assim, toda conduta ilícita, ou seja, que fere algum bem jurídico tutelado e que seja realizada com o meio de algum instrumento informatizado ou em meio a rede mundial de computadores pode ser classificado como crime cibernético. Esse tipo de crime pode ter como alvo o próprio meio informatizado ou usá-lo como meio para o resultado concorrendo com uma ação ou omissão que seja danosa a algum direito. É importante ressaltar que nem todos os crimes praticados com o uso de algum meio eletrônico podem ser configurados como crime cibernético, mas que aqueles que possuem exclusivamente o resultado danoso pode perfeitamente se encaixar, de modo que sem o uso do meio informatizado ou tendo este como alvo não poderia tal conceituação.

Dessa maneira, é possível entender que o conceito de crime cibernético é também qualquer violação de um sistema informático sem qualquer tipo de consentimento para que seja usado, tendo como principal objetivo a subtração dos dados da vítima. Além disso, ao contrário do que muitos imaginam os crimes virtuais não são tão atuais, entretanto passaram a ter mais atenção com o passar do tempo. Além disso, com o ordenamento jurídico brasileiro passou por grandes mudanças em relação aos crimes cibernéticos, assim é possível destacar o novo Marco Civil da Internet (MCI), que foi sancionada em abril de 2014 através da lei nº12.965/2014 e seu avanço é bastante significativo.

Podemos usar como exemplo desse tipo de crime ações que fazem parte do nosso cotidiano: emails contendo spam que ao clicar temos os nossos dados subtraídos e usados em fraudes, fraude de identidades com a subtração de dados pessoais através de mensagens de texto com links de acesso; roubo e venda de dados corporativos para empresas; ataques de hackers de diferentes formas entre outros. Podemos dizer, ainda, que embora o espaço virtual e eletrônico não tenha um corpo físico ou um espaço delimitado, este é uma representação do mundo real e, portanto deve-se esquecer premissa de que na internet não há regras.

Diante disso, além dos termos supracitados, há crimes que também se enquadram em modalidades cibernéticas: contra honra, condutas que envolvam o armazenamento de fotos de pornografia infantil, estupro virtual, e reveng porn . Todos esses crimes estão relacionados com as mídias sociais que são cometidas por meio de tablets, aparelho celular, computadores ou algum dispositivo conectado à internet.

O grande fator que contribui para que estes crimes aconteçam é o fácil acesso as fotos, às vezes até mesmo a vítima compartilha fotos íntimas sem ter a noção que pode ser usada contra ela, depois isso acaba atingindo de forma negativa a vida da pessoa que sofre com este tipo de crime. Além disso, há relações nos meios midiáticos. PEREIRA (pág. 6, 2015) ressalta que:

O ambiente virtual por caracterizar-se como democrático, liberatório e instantâneo é local de inserção de vários tipos sociais. É nesse momento que se imagina a socialização da comunidade, porém devido à grande diversidade e difícil controle acaba por disseminar informações não adequadas a todo tipo de público. (PEREIRA, pág. 6, 2015)

Por conseguinte, por meio desses recursos midiáticos pode ocorrer ameaça de divulgação de conteúdo íntimo da vítima com intuito de obter algum tipo de vantagem, ademais a internet pode ocorrer polarização dos conteúdos. Vale salientar que há uma diferença no crime de revenge porn, pois neste caso não ocorre a invasão de algum dispositivo tecnológico, mas sim recebimento de imagens e muita das vezes vídeos que a vítima compartilhou com alguém que ela tinha confiança e quando o autor(a) lança o conteúdo nos meios midiáticos o fato é movido por uma vingança quando muita das vezes não se conformou com o fim de um relacionamento amoroso.

Essa prática citada assim vem crescendo expressivamente e isso está atrelado ao crescimento e desenvolvimento das tecnologias, apesar das tecnologias trazerem benefícios trazem com elas também os malefícios. Além disso, com o advento da internet ela permitiu a troca de informações a todo instante. Desta forma, por meio dessa comunicação há a possibilidade de que cada vez mais as pessoas serem próximas umas das outras, permitindo certa liberdade de expressão,. Entretanto há também alguns problemas que muitas das vezes há dificuldades para apuração.

Os crimes cometidos na internet tais como: fraude, estelionato virtual, racismo, xenofobia e misoginia são alguns dos exemplos de crimes que podem e são praticados nela. O Marco Civil da Internet em seu artigo 3° nos permite compreender alguns aspectos que precisam ser levados em consideração quanto ao uso da rede mundial de computadores:

Art. 3º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II – proteção da privacidade;

III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei

É possível perceber, a partir do texto de lei, há uma garantia da liberdade expressão, privacidade e proteção em relação aos dados pessoais, entretanto apesar de ter este amparo legal ainda há muitos crimes que são cometidos e a lei nem sempre é cumprida da forma como deveria ser. Por conseguinte, LEONARDI (pág. 35, 2012), confirma o que foi citado em relação a proteção dos dados pessoais e cadastrais do usuário:

Os dados cadastrais e de conexão do usuário não se confundem com o conteúdo das comunicações eletrônicas realizadas por ele. O sigilo dos dados cadastrais e de conexão é protegido pelo direito à privacidade, que não prevalece em face de ato ilícito cometido, pois, do contrário, permitir-se-ia que o infrator permanecesse no anonimato (LEONARDI, pág. 35, 2012)

Sendo assim, poderá ocorrer a quebra do sigilo de acordo com a lei se houver indícios da existência do crime. Ainda assim, podemos citar a referida lei que é um marco civil em relação a internet pode ajudar no que concerne aos crimes virtuais. É sabido que os casos de violência contra a mulher no meio virtual é crime, por exemplo, disseminação de imagens que atentem contra a honra, mas apesar de haver a lei ainda há lacunas, por exemplo, na referida lei 12.737/2012, Código Penal, art. 154-A quanto à proteção da pessoa, conforme o relatório de violência contra a mulher:

Não há no Brasil uma legislação específica para enquadramento de casos de ataques coordenados na Internet – aplica-se a legislação relativa aos atos individuais praticados. Quando essas condutas têm a ver com crimes contra minorias raciais-étnicas ou comunidades religiosas, é aplicada a legislação antirracista (ver ofensa/incitação a ódio ou crime, acima). Ficam de fora crimes relacionados à discriminação ou violência com base em gênero e sexualidades. (CODING RIGHTS, p. 38, 2017)

Fica evidente que são necessárias leis mais brandas para que sejam punidas as pessoas que cometem esse tipo de crime nas mídias digitais, além disso, é possível evidencia outro problema que são os crimes virtuais que atentam contra a honra e a dignidade da mulher que na maioria dos casos sofre com exposição, e ataques cometidos nas redes sociais. Portanto, tratar legislativamente sobre os crimes cibernéticos é permitir que haja uma evolução jurídica que abarque todos as lacunas, o que gera a sensação de impunidade.

Assim, um enfoque maior nesse tipo de crime, que inclusive, seus impactos tem se tornado cada vez mais repercutidos – o que veio gerar alterações no Código Penal com a inserção da tipificação de violação de mídias e aparelhos eletrônicos – é garantir que o Direito possa cada vez continuar cumprindo seu papel de apaziguador e atinja a justiça na sociedade.

2. A PORNOGRAFIA DE VINGANÇA E O ORDENAMENTO JURIDICO BRASILIERO

O termo revenge porn, para o português significa pornografia de vingança ou pornografia vingativa, consiste em um crime cibernético recorrente, principalmente no que tange as redes sociais. Também pode ser configurado como um crime contra a mulher, o qual consiste em uma exposição sem o consentimento da vítima de imagens de relações sexuais com a mesma, após o termino de um relacionamento amoroso. Geralmente o agente é aquele que não se conforma com o termino desse relacionamento e usa dessas imagens e vídeos para chantagear a vitima com ameaças de exposição.

Neste sentido, Consultório Jurídico (2019) traz que “a conduta consiste em se utilizar de imagens ou vídeos, previamente e voluntariamente angariados no decorrer de um relacionamento afetivo, para revidar algo desconfortável que sucedeu a relação”. Além disso, para tal é sempre necessário que tenha existido uma ligação entre as partes, pois devida a esse relacionamento que as imagens foram criadas. Dessa maneira também, o autor BURÉGIO (2015), define pornografia de vingança como:

Inicialmente, faz-se imperioso explicar o que significa o termo “Pornografia da Vingança”: O termo consiste em divulgar em sites e redes sociais fotos e vídeos com cenas de intimidade, nudez, sexo à dois ou grupal, sensualidade, orgias ou coisas similares, que, por assim circularem, findam por, inevitavelmente, colocar a pessoa escolhida a sentir-se em situação vexatória e constrangedora diante da sociedade, vez que tais imagens foram utilizadas com um único propósito, e este era promover de forma sagaz e maliciosa a quão terrível e temível vingança. (BURÉGIO, 2015).

Não é de hoje que somos bombardeados por crimes contra a mulher estampados nos mais diversos canais de comunicação. A pornografia de vingança se tornou mais um tipo de crime contra a mulher, embora não seja exclusivo desse gênero, mas que há certa predominância de vitima do sexo feminino. Essa exposição acontece muitas vezes por ex-maridos e ex-namorados que inconformados com o término do relacionamento usam todas as lembranças com o intuito de humilhar e ferir a moral da vítima.

Esse crime em especifico, no sistema brasileiro de leis ainda não há tipificação, sendo enquadrado no rol de crimes criados pela Lei Carolina Dieckmann – que falaremos mais a frente inclusive – mas que proporciona danos graves à vitima e a sua família. É necessário afirmar que a vítima não fica lesada completamente, pois cada caso após submetido a apreciação da Justiça se é levado em consideração o direito à intimidade, vida privada e imagem, nos termos da Constituição Federal de 1988. Todavia, também se faz mister citar que há projetos de lei com o intuito de inserir a tal prática no rol de crimes abrangidos pela Lei Maria da Penha, o que criaria uma certa barreira contra os agentes criminosos que não teriam mais os benefícios dos Juizados Especiais Criminais ofertam e seriam tratados com mais rigor processual.

Não podemos deixar de citar, inclusive tecendo notas introdutórias a tal assunto, sobre o caso Carolina Dieckmann. A atriz teve seu celular invadido por hackers, que embora não tivesse relações com a mesma, chantagearam a mesma para que pagasse certa quantia com o intuito de evitar a divulgação de fotos que estavam sobre o poder dos criminosos. Da mesma forma, a pornografia de vingança é pratica, mas por pessoas com sua identidade revelada e conhecida, principalmente por suas vitimas que se deparam muitas vezes com sua imagem divulgada em grupos de redes sociais.

3. O COMBATE A EXPOSIÇÃO INTÍMA SEM O CONSENTIMENTO DA VITÍMA E A LEI CAROLINA DIECKMANN

Um dos casos emblemáticos sobre exposição de vídeos e fotos de vitimas sem sua devida permissão foi o da atriz Carolina Dieckmann. A atriz teve seu nome estampado nas páginas policiais em 2012, quando teve seu computador invadido e mais de 36 fotos íntimas foram divulgadas na rede mundial de computadores, além de diversas ameaças sobre essa exposição atreladas a pratica de extorsão por parte dos criminosos.

Na época do ocorrido, o caso se tornou tão midiático que houve uma proposta de projeto de Lei, de autoria do Deputado Paulo Teixeira do PT de São Paulo que tramitou em regime de urgência, culminando na Lei n°. 12.735/2012 sancionada em 3 de dezembro de 2012, lei a qual leva o nome da atriz, modificando o Código Penal com a inserção de tipos penais, tipificando assim os delitos informáticos. Além disso, a referida lei traz um rol de alterações na questão da Ação Penal, alegando que esses crimes se procedem mediante representação com ressalvas para os crimes cometidos contra a Administração Publica. Um dos tipos penais mais citados sobre essa lei é o art. 154-A, que dispõe o seguinte:

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.

Com a inserção dessa lei no ordenamento jurídico, o próprio sistema legislativo nacional cria uma espécie de barreira e retira a possibilidade de impunidade por falta de tipificação. Assim, a lei abrange os casos expressamente previstos, mas há também a analogia de casos em que fica a cargo da jurisprudência a interpretação de modos operandi, bem como, a classificação desses crimes. Além disso, a lei também trata sobre falsificação de cartão, o que comumente conhecemos como “clonagem de cartão” mediante uso de meios informatizados para tal; a invasão a dispositivo informático e a interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informativo, telemático ou de informação de utilidade pública.

É importante salientar que essa invasão, além de causar transtornos à vítima com a exposição também é uma violação aos direitos humanos, pois todos possuem o direito a ter sua intimidade preservada. Com isso, além do próprio sistema brasileiro reconhecer r que não havia dado a devida importância aos crimes cibernéticos, trouxe um lei atualizada e combatível as evoluções e mudanças pertinentes na sociedade, sempre preservando o direito e a garantia de proteção aos bens jurídicos que podem ser lesados por ações cada vez mais sofisticadas e inovadoras.

Assim, além de possui uma nova roupagem – o que permite uma atualização do sistema penal nacional – abrange crimes que antes eram completamente impunes haja vista que com o advento da internet, não havia uma legislação, mesmo que seja infraconstitucional, que pudesse ditar e impor sanções para práticas ilícitas cometidas ou por meio informatizados ou os possuindo como alvos. A Lei Carolina Dieckmann serviu para demonstrar o quão arcaico é o sistema penal brasileiro, principalmente no tocante a novos crimes que são todos os dias praticados por meio de uma tela de computador ou celular.

4. O SISTEMA DE PROTEÇÃO A VITÍMA EM MEIOS VIRTUAIS PELO ORDENAMENTO JURIDICO NACIONAL

Quando tratamos sobre a divulgação de imagens sem o consentimento da vítima por meios virtuais, atingimos o assunto do direito da imagem. É necessário que venhamos entender que o direito a imagem é um direito protegido pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, o qual trata sobre o rol de direitos e garantias fundamentais e, consequentemente, a sua violação permite que haja a indenização pelo dano causado ou pelo simples fato de infração. Conforme o referido artigo:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Conforme o dispositivo legal, além da intimidade que é um dos mais comuns bens jurídicos lesados pela exposição, a imagem também possui sua devida proteção, garantindo ainda a certeza de possíveis indenizações mediante a representação. Devido a sua posição de proteção constitucional, o direito de imagem se tornou um direito de personalidade e, portanto, não pode ser renunciado – salvo as exceções trazidas pela lei -, não pode ser transmissível e nem alienável.

Pela sua classificação, o Código Civil em seu artigo 20 declara que salvo as exceções dadas pela própria lei, à divulgação e exposição de imagens, poderão ser proibido mediante o requerimento da vítima, no que lhe couber prejuízo ou lhe atinjam a honra, inclusive esse direito pode ser questionado quando a vítima já estiver morta cabendo a família o seu requerimento.

Em matéria do G1 , de outubro de 2020, a exposição de imagens íntimas sem o consentimento da vítima lidera o ranking das principais violações de direitos que acontecem nos meios informatizados. Esses dados foram trazidos pela SaferNet Brasil, uma organização não governamental que atua em conjunto com o Ministério Público Federal. Nesse estudo, as mulheres são as que mais tiveram fotos expostas na rede mundial de computadores, representando um total de 55% das vítimas.

O fato de a legislação garantir a proteção é necessário que a vítima alerte e provoque a justiça para tal. Todos os crimes tipificados como crimes cibernéticos são procedidos à ação penal mediante representação, o que significa que a vítima deve proceder mediante queixa-crime a representação e comunicação do fato ocorrido. No combate a esse tipo de crimes, em São Paulo foi criado em 2019 uma divisão especializada de crimes cibernéticos que conta com uma delegacia sobre fraudes em instituições financeiras praticadas por meios eletrônicos, uma delegacia que trata de fraudes contra instituições de comércio eletrônico, uma delegacia sobre a violação de dispositivos eletrônicos e redes de dados e uma delegacia de lavagem e ocultação de ativos ilícitos por meios eletrônicos. Além dessas delegacias, a divisão conta com um centro de inteligência cibernética e um laboratório técnico de análises cibernéticas.

Além de todo esse aparato funcional, que infelizmente se concentra apenas no estado de São Paulo, mas que já é um avanço em comparação a anos anteriores, as vítimas contam com a própria lei anteriormente citada que tipifica a conduta e o procedimento processual sobre os crimes cibernéticos ao passo que embora seja necessária a provocação, a vítima tem a garantia que a impunidade não será mais continuada pois o crime existe e há uma imposição de sanção.

CONCLUSÃO

A revolução tecnológica é algo que vivemos e acompanhamos diariamente, está inserida ao nosso redor e todos os setores da sociedade. A tecnologia tem praticamente regido toda as relações humanas, principalmente após o advento da internet, o que possibilitou que todos em qualquer lugar de distancia e de modo instantâneo esteja conectado. Com passamos a termos o celular ou um computador como uma extensão das nossas relações operando quase que 24h por dia de forma “online”, seja em redes sociais, no teletrabalho, em compras e vendas online entre outros.

A verdade é que passamos a incluir o mundo digital em nossas vidas e com isso, devido à tamanha exposição e interação com o ciberespaço, ficamos vulneráveis. Essa vulnerabilidade se dá pelo fato de que com apenas um clique lançamos a uma rede mundial de conectadas alguma informação, seja ela boa ou ruim. Assim, junto com as revoluções tecnológicas e todo o seu desenvolvimento e aparato informático, o crime também evoluiu.

Tivemos, por muitos anos, a ideia de crimes apenas eram cometidos em espaços físicos, com características pré-definidas, de modo muito amplo e divulgados. Mas, por trás de uma tela de celular ou computador, fomos confrontados com novas espécies de crimes que não tinha qualquer abrangência do Direito e sem qualquer forma de proteção, embora bens jurídicos tutelados pela lei regente do país tivessem sido violados.

Muitas vezes, os ciber criminosos tiveram por muito tempo seus rostos revelados, de modo que eram até íntimos das vitimas e estavam em seu ciclo de amizade, o que podemos dizer são uma espécie de extensão da vida daquela vítima, como nos casos da pornografia de vingança. Mas, também formos apresentados a pessoas com o dolo de constranger, extorquir, ameaçar, se esconderam atrás de um aparelho eletrônico e conseguiram invadir outros aparelhos, como podemos ver no caso da atriz Carolina Dieckmann.

Vítimas que são, sem sombra de dúvidas, violadas em seus direitos que são, inclusive, elencados como direito fundamental do qual o Estado enquanto garantidor e principal responsável por garantir essa proteção, não conseguia efetivá-la. Mas após as primeiras relações humanas, em diversos setores da sociedade, começarem a ter seus atritos e com isso o Direito teve que se atualizar, foi ai que as mudanças legislativas foram inseridas no ordenamento jurídico mediante os casos concretos.

Portanto, diante de tudo que foi apresentado neste estudo, podemos concluir que após o caso da atriz Carolina Dieckmann e a inserção da lei que leva o seu nome no ordenamento jurídico brasileiro representa uma grande avanço na combate a impunidade sobre os crimes cibernéticos no tocante a crimes de exposição da vítima, principalmente em situações vexatórias sem o seu devido consentimento. Assim, além desse avanço é necessário mais avanços para que cada vez a sociedade esteja ciente de que estes crimes acontecem numa proporção maior do que é exposto nas mídias e que se deve denunciar e jamais deixar passar em vão qualquer ofensa a intimidade, a imagem e a honra de qualquer pessoa, seja ela mulher ou homem.

REFERENCIAS

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______. Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012. Dispõe Sobre A Tipificação Criminal de Delitos Informáticos; Altera O Decreto-lei no 2.848, de 7 de Dezembro de 1940 – Código Penal; e Dá Outras Providências.. Brasília, 2020

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Artigo escrito por:

Ana Carolina Gomes Magno: Acadêmica de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: carolinamagno5@yahoo.com.

José Luiz Leite: Professor mestre em Garantia Constitucional, orientador do trabalho de Curso em Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: Jose.leite@ulbra.br

Fonte: boletimjuridico.publicacoesonline.com.br/

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