Pandemia fez escritórios repensarem formas de cobrar honorários

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Via @consultor_juridico | Apesar da recessão mundial por conta da pandemia da Covid-19 no ano passado, grandes bancas do Brasil aumentaram o faturamento por conta de fusões e aquisições, mercado de capitais e discussões tributárias e trabalhistas ligadas à crise. A recuperação econômica deste ano, praticamente empatando o que o PIB brasileiro perdeu em 2020 e um horizonte não muito animador para a economia em 2022, o cenário da advocacia terá que seguir se adaptando ao "novo normal".

De acordo com advogados consultados pela ConJur, os clientes passaram a demandar maior previsibilidade do quanto vão gastar com serviços jurídicos. Por isso, vão aos poucos se afastando do modelo "tabela-hora" em favor de preços fixos e honorários de sucesso, mais vinculados ao valor agregado gerados por seus advogados.

"Comércio não vai voltar como era antes. Hotel não vai voltar. Companhia aérea é uma dúvida. Algumas empresas vão precisar se reinventar para continuar no mercado e isso significa trabalho para os escritórios de advocacia", diz ao jornal Valor Econômico Marcelo Guimarães, da consultoria Swot Global.

Para os escritórios pequenos, porém, a partir do ano passado, mesmo com a produtividade em alta dos tribunais nos julgamentos virtuais, a situação seguirá difícil. Principalmente para quem vinha atuando como correspondente — gente contratada para despachar ou realizar sustentação oral em outras cidades.

Diante desse cenários, escritórios de advocacia e profissionais precisaram se reinventar e esse processo passou por uma reestruturação na forma de cobrança de honorários, por exemplo. Segundo especialistas ouvidos pela ConJur, o momento é de criar formas de valorizar os serviços jurídicos sem prejudicar a sobrevivência das pessoas e empresas.

Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, advogado, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados, afirmou que a advocacia não ficou de fora das transformações causadas pela pandemia. Primeiro, porque em momentos de crise é natural um aumento do número de demandas consultivas ou contenciosas. Segundo, pois houve retração da capacidade financeira das pessoas e das empresas, de um modo geral.

"A advocacia teve que se reinventar para demonstrar a importância dos serviços nesse difícil momento, sem com isso prejudicar a sobrevivência das pessoas e das empresas", completou.

Para o advogado, durante a pandemia houve um equilíbrio nos custos, pois se de um lado eles aumentaram em razão de uma melhor infraestrutura que os serviços jurídicos passaram a demandar, por outro lado, despesas com deslocamentos diminuíram. A crise também aumento a preocupação dos clientes com a previsibilidade de quanto vão gastar com serviços jurídicos.

Tendo em vista todo esse cenário, Rodrigues explicou que foram criadas condições diferentes de pagamento pelos serviços, seja aumentando o prazo ou até dando carência, especialmente para micro e pequenas empresas. "Não podemos deixar de lembrar que no período entre março e agosto de 2020, o comércio praticamente parou, sendo natural e até prudente uma negociação dos honorários para sobrevivência da empresa. A advocacia deve ser uma auxiliar no crescimento dessas empresas e não objeto de entrave", ressaltou.

Fernanda Assis Souza, sócia e diretora de Desenvolvimento de Negócios do Chenut Oliveira Santiago Advogados, destacou que a pandemia produziu um efeito em cadeia, gerando a alavancagem de preços em alguns setores e a pressão pela sua redução em outros. Ela explicou que, no que tange aos serviços jurídicos, o movimento foi no sentido de reduzir ao máximo o patamar de honorários e estender os prazos de pagamento, para que as empresas pudessem permanecer com acesso aos mesmos serviços dentro de suas limitações orçamentárias.

Assim, os escritórios tiveram que se adaptar, sustentou a advogada. "Para aqueles que souberam aproveitar a flexibilidade dada pelo mercado, foi possível manter a satisfação do cliente, a qualidade do trabalho e atender à exigência de redução dos honorários e postergação dos prazos de pagamento, por meio da implementação de medidas impulsionadas pela pandemia, como a ampliação do home office, a redução de custos fixos de estrutura e dos valores alocados para deslocamentos e viagens."

Segundo Fernanda Assis, se por um lado era desejo dos clientes manterem os serviços por valores menores ou novos formatos de honorários, por outro era desejo do escritório permanecer trabalhando com mais liberdade, flexibilidade e autonomia.

"Foi justamente neste contexto que implementamos um modelo já em teste pelo nosso escritório nos últimos anos, alterando nosso negócio para um modelo mais digital e ao mesmo tempo mais próximo dos nossos clientes. O resultado foi o feedback positivo dos nossos parceiros e uma equipe muito mais engajada. Hoje, temos colaboradores que executam as suas funções nos quatro cantos do Brasil e do mundo", disse

A advogada notou também um exercício maior de todo o mercado jurídico para adotar modelos mais criativos de precificação. De acordo com ela, os modelos clássicos de honorários por hora de trabalho ou tabela fixa não deixaram de existir, mas são hoje aplicados apenas quando configuram o modelo mais vantajoso para o cliente.

"Além disso, presenciamos no cenário pós pandemia o crescimento da exigência de inclusão de estimativa máxima de honorários por demanda ("cap"), especialmente em relação às parcelas variáveis (horas e êxito). Por outro lado, construímos uma visão mais criteriosa quanto ao risco jurídico do caso e eventual benefício econômico para criarmos modelos de precificação personalizados e adequados à realidade de cada cliente."

Uma forma encontrada para atender aos desafios do cenário atual foi recompensar clientes que concentram um maior volume de demandas com o escritório, considerando que os custos fixos com a equipe não seguem a mesma escala de majoração, contou Fernanda. "Dessa forma, é possível criarmos times de experts que possuem uma ampla visão do segmento, entendem as dores dos clientes e acompanham diariamente as evoluções jurisprudenciais e legislativas para um determinado setor econômico. Isso retorna ao cliente, por exemplo, em um menor volume de horas dedicadas para a resolução do caso."

Segundo Luciana Aguiar, sócia do Bocater Advogados, no caso de clientes que apresentaram dificuldades, além de praticarmos uma tabela com desconto, fizemos parcelamentos mais longos de forma a contribuir para o planejamento do fluxo de caixa.

Ela explicou que o escritório já adotava formas alternativas à tabela de horas para cobrança de honorários, uma vez que essa gerava algum desconforto aos clientes que precisam administrar o budget do departamento jurídico ou financeiro. "Sabendo disso, já vínhamos trabalhando de forma a fazer horas com 'cap' ou honorários fixos, conforme o caso e a conveniência dos clientes. O escritório de advocacia precisa estar alinhado às práticas das empresas e atualmente, todo mundo precisa de previsibilidade em seus orçamentos", reforçou.

A previsibilidade é algo relevante não só em relação aos custos dos honorários, mas aos fluxos de caixa relativos aos processos do escritório, disse Aguiar. Para a advogada é importante que os advogados entendam essas questões de gestão empresarial para que possam ser mais assertivos na interação com os seus clientes e estarem mais alinhados às necessidades deles.

Diagnósticos

Para o colunista da ConJur José Rogério Cruz e Tucci, que também é advogado e professor da USP, no que se refere à advocacia contenciosa, mais de um ano depois de o vírus ter se disseminado em território brasileiro, com a crise econômica sem precedentes, "observou-se considerável ampliação dos litígios em matéria tributária, em virtude da eclosão de novas teses, decorrentes da pandemia, acerca da necessidade de diferimento da exigência dos tributos".

"Ademais, tem sido notória a tensão das relações entre locador-locatário, em particular de imóveis para uso não residencial, que acabou gerando expressivo grupo de demandas judiciais. Ressalte-se, nesse particular, que nem mesmo a intervenção estatal, com a edição de legislação emergencial tentando regular as relações ex locato, conseguiu diminuir o ajuizamento de ações correlatas."

Tucci também notou relevante crescimento de processos trabalhistas, discutindo questões básicas como pagamento de verbas rescisórias, como multas de 40% de FGTS e aviso prévio aos trabalhadores despedidos em razão das dificuldades pelas quais passam os empregadores. "E estas demandas continuam se multiplicando dia após dia."

"No âmbito do direito de família e sucessões, igualmente, constata-se vertiginosa ampliação dos casos de divórcio durante a pandemia, como reflexo da convivência diuturna imposta pelo isolamento social. O número de divórcios formalizados em cartórios de notas do país subiu 26,9% de janeiro a maio deste ano, em relação ao mesmo período de 2020. Foram 29.985 separações nos cinco primeiros meses de 2021 contra 23.621 de janeiro a maio do ano passado, segundo os dados revelados pelo Colégio Notarial do Brasil. No campo do direito das sucessões, do mesmo modo, tem ocorrido um crescente interesse por planejamento sucessório e elaboração de testamentos, que superam qualquer marca já registrada."

Outra novidade é o setor de arbitragem. Segundo informativo das cinco maiores câmaras de São Paulo, 18% foi a média de crescimento da instauração de processos arbitrais no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período do ano passado.

"Destaque-se, por fim, que todo esse amplo panorama bem demonstra a importância do papel do advogado, nos mais variados aspectos sociais, em momentos de grande impacto que afetam a humanidade, a comprovar a instigante narrativa desenvolvida pelo querido amigo José Roberto de Castro Neves, no seu belíssimo livro Como os advogados salvaram o mundo — A história da advocacia e sua contribuição para a humanidade (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2018)."

Fonte: Conjur

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