A denúncia do MP-SP pedia a condenação por tráfico de drogas — delito previsto pelo artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), mas o juízo de piso aplicou o artigo 28, que pune os que portam drogas para consumo próprio, determinando assim mera advertência. O MP-SP apelou e, na segunda instância, conseguiu a condenação por tráfico, determinada em quase sete anos de reclusão. Contra essa decisão, houve então a impetração de HC no STJ.
O voto do ministro ressalta que, de fato, nada impede que um portador de 1,54 grama de cocaína possa ser responsabilizado pelo delito de tráfico de drogas. Mas sem a devida investigação e comprovação, não há como concluir que ele estava "disfarçado" de usuário ao vender entorpecentes.
Nesse contexto, o voto do ministro Schietti repete um apelo ao Ministério Público feito sempre que o órgão consegue condenações desarrazoadas e desproporcionais. Um deles foi feito em setembro de 2021, quando o STJ afastou a condenação de um réu por tráfico pego com 0,4 g de crack e R$ 5.
"Salta aos olhos, ainda, o fato de o Ministério Público haver direcionado seus recursos humanos e materiais — que se imagina não serem tantos, diante da quantidade de casos bem mais graves a investigar e a trazer ao Judiciário — para insurgir-se contra a sentença desclassificatória, que, corretamente, aplicou o princípio do in dubio pro reo", criticou.
"Será mesmo, em uma proposta de reflexão institucional, que se considera acertado o caminho trilhado pelo representante ministerial e acatado pela Corte estadual? É sustentável, no mundo atual — após uma frustrada guerra cinquentenária ao comércio de drogas — impor-se uma pena de quase sete anos de reclusão, em regime inicial fechado, a alguém flagrado com 1,54 grama de cocaína?", indaga.
Caso concreto
A fundamentação da decisão do STJ foi no sentido de que, em decorrência da presunção de inocência, não se pode depreender a prática do crime mais grave — tráfico de drogas — tão somente a partir da apreensão de droga em poder do acusado. Ao Ministério Público, cabe comprovar os fatos, mediante o contraditório judicial.Assim, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para cassar o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que condenara o réu a pena de quase sete anos de reclusão, por considerá-lo traficante.
O caso aconteceu em Itu (SP), onde o homem foi preso em flagrante e tentou subornar os policiais. Em primeiro grau, foi condenado a dois anos e quatro meses de reclusão por corrupção ativa.
Quanto ao crime de tráfico de drogas, teve a conduta desclassificada para a do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que pune os que portam drogas para consumo próprio. O juízo aplicou mera advertência, conforme prevê a lei.
O Ministério Público recorreu e conseguiu, no TJ-SP, a condenação também por tráfico de drogas, em seis anos, nove meses e 20 dias de reclusão. Com isso, a pena total subiu para nove anos, um mês e 20 dias, em regime inicial fechado.
Para a 6ª Turma do STJ, o tribunal paulista não conseguiu apontar elementos suficientes para concluir pela prática do delito de tráfico de drogas. Embora o réu tenha admitido informalmente o tráfico aos policiais que fizeram a prisão em flagrante, negou o fato em juízo e não foi visto em atividade de traficância.
As condutas imputadas pelo MP foram de "trazer consigo" e "transportar" drogas, que se enquadram tanto no artigo 33 da Lei de Drogas, que pune pelo tráfico, como no artigo 28, destinado ao usuário. E a norma não determina parâmetros seguros de diferenciação entre essas figuras.
"Salvo em casos de quantidades mais expressivas, ou quando afastada peremptoriamente a possibilidade de que a droga seja usada para consumo próprio do agente — e a instância de origem não afastou essa hipótese —, cumpre ao titular da ação penal comprovar, mediante o contraditório judicial, os fatos articulados na inicial acusatória, o que, no entanto, não ocorreu", afirmou o ministro Rogerio Schietti, relator do HC.
A conclusão no Habeas Corpus foi acompanhada na 6ª Turma por todos os integrantes. Votaram com o relator os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior, e o desembargador convocado Olindo Menezes.
HC 705.522
Por Danilo Vital
Fonte: Conjur
Imaginem então se inexistisse a hipótese de aplicar ao caso concreto "o consumo próprio"? Sim, a resposta seria basicamente ao acostado na matéria acima: "este é traficante, aquele é traficante, aquele outro é traficante" ante o prisma do respeitável "fiscal da lei".
ResponderExcluirPostar um comentário
Agradecemos pelo seu comentário!