Segunda Leitura: As dez tentações na vida profissional de um juiz

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Via @consultor_juridico | Ao referir-me a juiz, estou abrangendo juízes e juízas de todas as instâncias, desde um recém nomeado até ao mais experiente magistrado de uma Corte Suprema ou Constitucional. Incluem-se, de certa maneira, agentes do Ministério Público, cuja carreira no Brasil é semelhante à dos magistrados. Afinal, todos, ainda que em diferentes situações e circunstâncias, são submetidos a tentações e podem sucumbir diante de seus encantos. Não há como evitá-las. Mas há como, a elas, resistir.

Feitas estas necessárias observações, vale aqui mencionar que a Bíblia registra a tentação em nada menos do que dezesseis versículos. Porém, é na oração "Pai Nosso" que ela é mais lembrada: "E não nos deixeis cair. em tentação, mas livrai-nos do mal". Um juiz, na sua vida, está exposto continuamente à tentação. Vejamos dez hipóteses.

1ª — A tentação aos afagos. A partir da posse, o juiz vê mudar a sua vida. Pessoas simpáticas surgem no seu caminho, prontas a remover os empecilhos próprios da vida. Facilidades para alugar um imóvel no local para onde foi nomeado, para a compra de um carro, convites para festas, matrícula dos filhos na escola e situações semelhantes. Estes agrados são, por vezes, desinteressados, por vezes não. É preciso que sejam recebidos com cuidado, bem avaliados e, por vezes, rejeitados. Atrás daquela maravilhosa churrascada, com carne da melhor qualidade, música e alegria, pode estar um empresário interesseiro com grandes ações na Justiça ou um funcionário corrupto.

2ª — A tentação de crer-se superior. O exercício da função, decidindo casos importantes para a vida de centenas de pessoas, pode, com o tempo, levar o juiz a acreditar que é, realmente, um ser superior. E, a partir daí, afastar-se dos amigos de infância, evitar os parentes economicamente malsucedidos e outros em situações semelhantes. Tola reação. A vida mostrará que estas pessoas ser-lhe-ão importantes nos momentos de dor, nos revezes e em outras armadilhas das quais, na vida, ninguém escapa. Junto com esta errônea crença vem a tentação de exibir o seu sucesso. Não será raro que melhorar a situação econômica, vestir-se com boas roupas ou comprar uma SUV das mais caras é uma aspiração legítima de quem se esforçou tanto para subir na escala social. No entanto, estes adornos não devem ser excessivos nem ser vistos (principalmente em encontros com velhos amigos que lutam com dificuldades) ou lembrados através da descrição de custosas viagens ao exterior ou da durabilidade de uma linda camisa do Hermenegildo Zegna.

3ª — A tentação da vaidade. Somos todos vaidosos, até no reino animal isto se verifica e o pavão é o maior, mas não o único, exemplo. Muitos juízes, especialmente quando assumem posições de maior destaque, como a presidência de tribunais ou em decisões de casos de relevância para a vida nacional, são seduzidos pelos bajuladores e holofotes. E correm o risco de supor-se atores globais, muito embora com dotes físicos em queda pela perda da juventude. Falta aí um velho amigo para, com grosseira franqueza, fazer-lhes ver o quão ridícula é esta conduta para um juiz, de quem se espera, acima de tudo, discrição e equidistância dos problemas que deve examinar. Nunca será demais lembrar antiga máxima judiciária: “juiz só fala embaixo da conclusão”.

4ª — A tentação da vingança. Contrariado em algum desejo, legítimo ou ilegítimo, logo vem o pensamento e, por vezes, a possibilidade, de “dar o troco”. Tal situação é mais comum em comarcas ou subseções judiciárias de menor porte. Por óbvio, fere a ética que deve acompanhar o juiz em todas as suas decisões. Exemplo: não ter sido convidado para a mesa em uma solenidade, em hipótese alguma deverá ser motivo para um tratamento rigoroso contra o organizador do evento, pois isto seria um ato indigno de quem tem como missão ser justo. Por outro lado, a culpa talvez nem tenha sido dele, mas sim de quem organizou o cerimonial.

5ª — A tentação do sexo. Função vital, instinto puro, nada há de errado com o sexo, antes, sim, é um dos prazeres da vida. Só que, por vezes, vem acompanhado de circunstâncias que mais tarde serão um longo desprazer. Juízes novos, muitas vezes solitários e em cidades distantes de suas raízes, passam por carência afetiva. Por vezes se aproximam belas moradoras locais e pronto. Algum tempo depois, às vezes já em outra comarca, uma citação para pedido de Alimentos de um herdeiro não será uma surpresa agradável. Afinal, 1 terço dos vencimentos de um juiz equivalem ao salário de um disputado emprego. As mulheres estão sujeitas à abordagem de um vistoso sedutor. Aí o risco pode ir além. Ele pode ter interesses políticos (namorar a juíza é um forte marketing) ou até pertencer a uma facção criminosa e ter acesso a informações sigilosas. Os mais velhos não escapam da tentação que podem alcançar até idosos desembargadores, encantados com uma ilusória volta à juventude.

6ª — A tentação da corrupção. Esta é uma tentação em plena ascensão. Assunto sequer cogitado até os anos 1990, passou a ser tratado de forma banal recentemente. Mas, afinal, se a corrupção cresce mais forte do que o agronegócio, por que estranhar que alcance até o Poder Judiciário? A corrupção pode ser pequena, até mesmo ingênua, e ir até elevados valores em dinheiro, passando por uma garrafa de vinho Château Petrus, no valor de R$ 38.990,90 É preciso que o tema seja discutido com franqueza nas Escolas da Magistratura e, uma vez constatado, combatido com rigor extremo. Ninguém deixa de ser corrupto por meio de aulas de ética, mas sim, e apenas, pela perda do cargo.

7ª — A tentação da inveja. Ainda que gozando de um bom nível de vida, um juiz poderá ter inveja de terceiros, normalmente advogados de grande sucesso profissional, que transitam em lanchas de 70 pés nos fins-de-semana. Tolice! Cada profissão tem suas vantagens e desvantagens, nenhuma é perfeita e ninguém pode ter tudo ao mesmo tempo. A advocacia, ainda que rendosa, tem suas dificuldades que não são as mesmas de um juiz, mas nem por isso menores. Valorizar o que tem, usufruir seus benefícios (p. ex., 60 dias de férias por ano) é o certo. Mas, se no fundo do peito bate aquele sentimento negativo, então que tenha a coragem de pedir exoneração e enfrentar a arena com muitos concorrentes ou então que estude muito e submeta-se a um concurso para um Cartório extrajudicial, onde terá ganhos bem superiores aos da carreira.

8ª — A tentação de virar sindicalista. A magistratura é uma carreira e como tal exige segurança para quem a exerce. Assim, remuneração digna é um dos pilares, porque ninguém terá tranquilidade para julgar se estiver pressionado por dívidas assumidas para a própria sobrevivência. Portanto, reivindicar vencimentos justos está absolutamente correto. Todavia, passar disto para tornar-se um contínuo e exclusivo reivindicador de vantagens pessoais, algumas dificilmente justificáveis, vai muito além do razoável e gera animosidade da sociedade, onde muitos passam por necessidades básicas.

9ª — A tentação de expandir seus poderes. Inebriado com o poder que a Constituição lhe outorga, muitas vezes o magistrado não se contém, quer ir além. E aí julga-se no direito de levar a toga a outros locais. Isto pode dar-se em situações diversas, como na Faculdade de Direito onde leciona, ao supor que merece tratamento diferenciado, até no avançar de suas decisões a órgãos ou poderes. Por exemplo, entrando em minúcias de como os órgãos de segurança pública devem atuar (usando ou não balas de borracha) ou explicitando como o Poder Executivo Municipal deve executar uma política pública educacional ou a Câmara de Vereadores editar uma lei.

10ª — A tentação de ser mais um desanimado. Last but not least, a mais recente tentação: cumprir o dever dentro do horário, de preferência em uma Vara pouco trabalhosa (ou perigosa) e largar o resto. Este mal, que já se alastrou entre bons policiais há um bom tempo, começa a contaminar o Judiciário. Juízes de Varas Criminais pedem remoção para Varas de Execuções Fiscais, desanimados com a inutilidade de empenho e risco pessoal na prisão de lideranças de facções criminosas, que, por isto ou por aquilo, são colocadas por liminar em liberdade. Sem falar nos riscos de serem denunciados por abuso de autoridade, fruto de legislação recente. Só que o desânimo é uma coisa que faz mal à sociedade e também ao desanimado. Leva, invariavelmente, a problemas físicos (p. ex., úlceras) ou psicológicos (depressão).

Encerrando, em Domingo de Páscoa, celebrando-se a ressureição de Jesus Cristo, sempre é bom lembrar, sobre tentação, o Provérbio 1:10 do Antigo Testamento, que diz: "Meu filho, se os maus tentarem seduzi-lo, não ceda!"

Vladimir Passos de Freitas
Fonte: Conjur

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