Excepcionalmente, a ação continua pública incondicionada nos seguintes casos: se a vítima for a administração pública direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos ou incapaz (artigo 171, § 5º, incisos I a IV, CP).
Quanto ao direito intertemporal, num primeiro momento, estabeleceram o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) que a nova regra da representação retroagiria beneficamente para os casos anteriores que ainda não tivessem denúncia. Havendo denúncia, a regra da representação não se aplicaria aos casos antigos (vide Informativo STF nº 995).
Contudo, conforme tem ocorrido em nosso mundo jurídico, as decisões fluem e divergem de si mesmas o tempo todo, de forma que o que hoje vale amanhã já não se sabe. Vigora no Brasil o reino da insegurança jurídica.
Nesse contexto, exsurge decisão do STF, mudando o posicionamento antes firmado. Agora o entendimento é o de que a regra da representação deve retroagir a "todos" os casos de estelionato em andamento quando de sua promulgação, tendo a vítima um prazo de 30 dias para manifestar-se sob pena de decadência e não importando a fase em que o procedimento se encontre.
Considerando a natureza híbrida do instituto da representação (penal e processual penal), tanto que tratada no Código Penal (artigo 107, IV, CP — "causa de extinção de punibilidade" — instituto penal) e no Código de Processo Penal (artigos 24 e 38, CPP — "condição de procedibilidade" — instituto processual penal), ao menos se pode dizer que a Corte Superior acertou na decisão final (espera-se que seja final).
Realmente a retroatividade de normas que tenham, ainda que em conjunto com o caráter processual, também característica penal deve ser ampla e não restrita. A parte penal benéfica impõe a retroatividade sem limitações.
A decisão do STF se deu no Agravo Regimental em Habeas Corpus nº 208.817, julgado em plenário para fins de dirimir divergências e adotar orientação uniforme [1]. Votaram pela retroatividade ampla a ministra relatora Cármen Lúcia e os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, André Mendonça, Edson Fachin, Kassio Nunes Marques, e Rosa Weber. Divergiram somente os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, sob a alegação de que após a denúncia haveria "ato jurídico perfeito" não passível de modificação, já que eventual retratação de representação somente pode se dar até o ato da denúncia nos termos do artigo 25, CPP [2].
Obviamente o argumento dos divergentes não tem fundamento. Primeiro porque o caso não é de "retratação" de representação, não havendo espaço para chamamento à baila do artigo 25, CPP. São casos em que não houve qualquer representação na época porque o crime era de ação penal pública incondicionada e adveio reforma legal, adicionando essa “condição de procedibilidade” (processo penal) e, consequentemente, a decadência como causa "extintiva de punibilidade" (direito penal).
Não se trata de haver ou não "ato jurídico perfeito" porque houve representação não retratada até o momento da denúncia, operando-se, portanto a preclusão temporal de eventual representação. Repita-se, não existe representação porque na época não era exigível, a ação era pública incondicionada. Há uma tremenda confusão conceitual e fática no argumento apresentado na divergência.
O disposto no artigo 25, CPP é aplicável aos casos que se dão na normalidade, sem alterações da legislação e necessidade de análise de questões de "direito intertemporal", bem como, evidentemente, quando há alguma representação a ser retratada.
A discussão sobre a retroatividade da representação no crime de estelionato com o advento da reforma legal é matéria de "direito intertemporal", jamais questão de "ato jurídico perfeito" ou "preclusão" de retratação, até porque não haveria do que se retratar, conforme demonstrado. Hoje, não somente nos meios jurídicos, mas em geral há um grave problema de incapacidade de distinção de "categorias", o que ocasiona uma confusão intelectual altamente deletéria.
Finalmente não se pode deixar de mencionar o fato de que o legislativo também contribui muito para o surgimento de polêmicas jurídicas desnecessárias. Neste caso concreto, por exemplo, bastaria a imposição de uma "norma de transição", tal como se fez na época da promulgação da Lei 9.099/95, com seu artigo 91, determinando expressamente a retroação da necessidade de representação para os casos em que se a passou a exigir e conferindo um prazo de 30 dias para que as vítimas, devidamente intimadas, se manifestassem sob pena de decadência. A ausência de "norma de transição" para o caso da exigência de representação no estelionato é que criou esse clina de controvérsia.
De qualquer forma, a partir de agora fixou o STF a retroatividade geral da representação para os casos de estelionato, salvo nas hipóteses excepcionadas pelo Código Penal e a intimação das vítimas para manifestação em 30 dias sob pena de decadência. Afinal, pode-se dizer que a iniciativa da ministra Cármen Lúcia de submeter a questão a plenário para uniformização de entendimento foi extremamente oportuna e providencial.
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[1] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6297053 . Vide também voto da ministra relatora Cármen Lúcia. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/estelionato-exige-representacao.pdf , acessos em 29.04.2023.
[2] Vide para ilustração o voto do ministro Alexandre de Moraes. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/voto-moraes-estelionato-hc-stf.pdf , acesso em 29.04.2023.
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Eduardo Luiz Santos Cabette é delegado de polícia, mestre em Direito Social, especialista em Direito Penal e Criminologia, professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na Unisal e membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.
Fonte: Conjur
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