"Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização".
Excepcionaliza tal regra a chamada "acessão inversa", situação tipificada no par. único do referido art. 1.255 que não constava da codificação anterior, como esclarece o douto professor e Desembargador do TJSP, Dr. FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO ( Código Civil Comentado. 2021):
"A principal novidade do preceito se encontra no parágrafo único do art. 1.255, que inverte um paradigma milenar, de o solo ser o PRINCIPAL e a construção/plantação o ACESSÓRIO. Atende a regra terreno à cláusula geral da função social da propriedade, conferindo ao construtor/plantador de boa-fé, que deu destinação econômica e social ao prédio, sobre ele consolidar a propriedade, indenizando o dono do solo, que permaneceu inerte, não utilizando o que era seu. O direito assegurado ao construtor/plantador está subordinado a dois requisitos cumulativos: a boa-fé e o valor consideravelmente superior da construção/plantação, em relação ao solo".
Reza, por sua vez, a regra do aludido par. único do art. 1.255:
"Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo".
A questão da construção em terreno alheio (principalmente de parentes) é uma constante nos vários problemas que tratamos, envolvendo questões imobiliárias. Muitas vezes decorrentes de uniões (casamentos ou uniões estáveis) onde o novo casal constrói no terreno dos pais de um deles, ou mesmo quando simplesmente um ascendente (pai, avô etc) autoriza que seu descendente (filho, neto etc) construa num "pedaço" de terra que lhe pertence. A boa intenção que a princípio circunda a situação na verdade pode estar mascarando sem mesmo que as partes tenham ciência disso, um grande problema no futuro, seja com o desenlace daquele casal construtor, seja com o falecimento do titular do terreno sobre o qual a suposta casa tenha sido levantada. Na hipótese em que um neto, por exemplo, edifique no terreno do seu avô, inclusive passando a habitar na referida casa poderá ser considerado proprietário do "seu imóvel" caso sobrevenha o falecimento do titular daquele terreno?
De acordo com as regras citadas, não sendo o caso de acessão inversa, o construtor deverá perder o imóvel em favor do titular do terreno, sendo importante pontuar que com o falecimento do titular do terreno, a herança (assim considerados bens e direitos, na forma da Lei) comporá o ESPÓLIO que deverá ser partilhado entre os herdeiros do falecido, depois de abatidas suas dívidas, na forma do art. 1.997 do Código Civil. Significa dizer que a casa edificada - que sempre foi do proprietário do terreno - com a morte desse passa a pertencer/constituir o Espólio que deverá ser partilhado entre os herdeiros. Eventual indenização, se cabível na forma do art. 1.255 do CCB, deverá ser requerida em face do Espólio.
Ponto importante diz respeito à questão da prescrição (que é de dez anos, na forma do art. 205 do CCB) que pode fulminar a pretensão para postular a indenização, se cabível, nos termos do art.1.2555 do referido Código Civil l. É preciso ter em mente que enquanto ocupada a edificação levantada em solo alheio pelo seu construtor não há razão para que este requeira indenização já que dela estará usufruindo, naturalmente. Sua pretensão passa a ser plausível a partir do momento em que perde a posse da construção - e com o falecimento do titular do terreno, a posse imediatamente passa aos herdeiros por força do princípio da Saisine - art. 1.784 do CCB. É nesse sentido que se defende que o marco inicial para postular a indenização de que trata o art. 1.255 do CCB - se cabível, frisamos - deve se dar a partir do momento da reivindicação da posse da construção - o que ocorre naturalmente com a propositura da ação de inventário dos bens do proprietário do terreno, então falecido (mas não somente). Outro não é o entendimento do TJSC, senão vejamos:
"TJSC. 5028273-89.2022.8.24.0000. J. em: 13/04/2023. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESSARCIMENTO DE DESPESAS COM A ACESSÃO DE CONSTRUÇÃO EM TERRENO OBJETO DE INVENTÁRIO. DECISÃO QUE AFASTOU A PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO. RECURSO DOS RÉUS. DEFENDIDA A FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL A CONTAR DA CONCLUSÃO DA OBRA. INSUBSISTÊNCIA. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE ACESSÃO CONSTRUÍDA DE BOA-FÉ EM TERRENO ALHEIO QUE POSSUI FUNDAMENTO PRÓPRIO (ART. 1.255 DO CC). INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL (ART. 205 DO CC). CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA REIVINDICAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL, QUE, NO CASO, FLUIU COM O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE INVENTÁRIO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5028273-89.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 13-04-2023)._______________________________
Por Julio Martins
Fonte: www.juliomartins.net
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