O dever de prestar contas da pensão alimentícia: um direito do genitor pagador

O dever de prestar contas da pensão alimentícia: um direito do genitor pagador
Por @fernandatripodeadv | O responsável pelo pagamento da obrigação alimentar tem o direito e o dever de fiscalizar a correta destinação das prestações alimentares pagas ao filho, conforme o artigo 1.583, § 5º, e o artigo 1.589, caput, ambos do Código Civil. Vejamos:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (...) § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. (Incluído pela Lei 13.058/14)

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.


A pessoa obrigada a prestar alimentos deve pagar a verba ao filho, mas a administração desses valores é exercida pela guardiã do menor, sendo, em sua maioria, a genitora.

Assim, o pai pode exigir a prestação de contas da administradora dos recursos financeiros do filho, a fim de ter pleno conhecimento do destino dos valores pagos, ou seja, se estão sendo empregados exclusivamente em benefício do filho – verdadeiro credor da obrigação.

A prestação de contas pode ser requerida judicialmente pelo alimentante quando houver dúvidas quanto à forma de utilização da pensão ou se houver indícios de desvio de finalidade.

O Superior Tribunal de Justiça, em 2020, consolidou o entendimento de que o pai pode buscar judicialmente a prestação de contas da verba alimentar. Vejamos parte da decisão:

“Na perspectiva do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da autoridade parental, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o) guardiã(o) e representante legal de alimentado incapaz, na medida em que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor, lembrando que a lei não traz palavras inúteis. (...) Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal, por força do § 5º do art. 1.583 do CC/02, do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades materiais e imateriais essenciais ao seu desenvolvimento físico e também psicológico, aferindo o real destino do emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada para esse fim.” (REsp 1814639/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. p/ Acórdão Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020)

Dessa forma, o pai, como responsável pelo pagamento da pensão, pode exigir judicialmente a prestação de contas da guardiã do menor, para verificar se os valores recebidos foram de fato utilizados em favor do filho.

Atualizações e panorama recente sobre o tema

Avanços e debates atuais sobre o tema da prestação de contas da verba alimentar:

1. Projeto de Lei 1805/22

Aprovado na Comissão de Previdência da Câmara dos Deputados, o PL 1805/22 propõe regulamentar a prestação de contas da pensão alimentícia. Na versão original, a má administração dos recursos da pensão poderia acarretar redução automática do valor ou até mesmo a alteração da guarda. Contudo, o substitutivo aprovado pela Comissão modificou essa abordagem, determinando que, nesses casos, o juiz avalie a situação e decida qual medida é mais adequada, evitando imposições automáticas e preservando o interesse do menor. Outro ponto relevante é a previsão de que esse tipo de ação tramite em segredo de Justiça, preservando a privacidade da criança.

2. Jurisprudência em evolução

Embora o STJ tenha consolidado entendimento favorável à possibilidade de prestação de contas, há divergências entre suas Turmas. A Terceira Turma tem decisões mais restritivas, enquanto a Quarta Turma admite a ação mesmo com base em indícios de mau uso, favorecendo o genitor pagador. Isso demonstra que o tema ainda está em construção jurisprudencial e pode variar conforme o caso.

3. Quebra de sigilo bancário e fiscal

Em abril de 2025, a Terceira Turma do STJ autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de um alimentante em ação de oferta de alimentos, reconhecendo que o interesse da criança deve prevalecer sobre a proteção da intimidade do pagador. A decisão reforça que, além da prestação de contas, medidas de investigação financeira também podem ser adotadas judicialmente.

Essas atualizações reforçam a relevância do tema e apontam para um cenário jurídico cada vez mais atento à responsabilidade na gestão da verba alimentar.

Fernanda Tripode (@fernandatripodeadv) é advogada no escritório Fernanda Tripode Advocacia e Consultoria Jurídica.

Este artigo representa a opinião da autora e não reflete necessariamente a posição editorial do veículo.

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