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STJ julga penhora de salário para pagamento de dívida não alimentar

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Via @portalmigalhas | A Corte Especial do STJ começou a julgar, nesta quarta-feira, 6, o tema 1.230, que discute a possibilidade de penhora de valores de natureza salarial, inclusive inferiores a 50 salários mínimos, para pagamento de dívidas não alimentares.

O relator, ministro Raul Araújo, apresentou propostas de tese para relativizar a regra da impenhorabilidade salarial. Em seu entendimento, deve-se garantir a proteção integral do mínimo existencial, situado entre um e dois salários mínimos. Por outro lado, a parcela que exceder os 50 salários mínimos poderá ser totalmente penhorada, nos termos da legislação vigente.

Quanto à faixa intermediária, entre o mínimo existencial e o limite de 50 salários, o relator propôs que a penhora seja admitida, mas restrita a um percentual entre 35% e 45% da remuneração do devedor, de acordo com a essencialidade do crédito cobrado.

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha.

O que está em debate

O § 2º do art. 833 do CPC prevê exceção à regra de impenhorabilidade das verbas salariais, autorizando penhora quando os valores recebidos pelo devedor excederem 50 salários mínimos mensais.

O julgamento definirá se essa exceção pode ser aplicada mesmo quando os rendimentos forem inferiores a esse teto, estabelecendo entendimento de observância obrigatória por todos os tribunais do país.

Sustentações

Representando o Banco do Brasil, o advogado Rafael Martins Pinto da Silva sustentou que a mitigação da impenhorabilidade já vinha sendo admitida pela jurisprudência do STJ desde o antigo CPC. Argumentou que o legislador, ao suprimir a expressão "absolutamente" do caput do art. 833, teria adotado posição mais flexível, alinhando-se à jurisprudência.

Assim, destacou o descompasso entre o limite de 50 salários e a realidade da população, em que a renda média é muito inferior, e defendeu a possibilidade de penhora desde que seja preservada a subsistência digna do devedor.

Na mesma linha, Heloisa Scarpelli Soler Marques, representante da Febraban - Federação Brasileira de Bancos, reforçou a necessidade de equilíbrio entre o direito do credor à satisfação do crédito e a proteção da dignidade do devedor. Citou precedentes da Corte que já relativizaram a impenhorabilidade mesmo quando o salário não ultrapassava o limite legal e defendeu a leitura do art. 833 como presunção relativa, permitindo mitigação conforme o caso concreto.

Já Luiz Carlos Cote Hilgenberg, representando o Estado do Rio Grande do Sul, admitido no processo como amicus curiae, defendeu a necessidade de considerar a impenhorabilidade como regra relativa e excepcionável, buscando estabilidade nas relações econômicas e redução da inadimplência.

Apresentando posição contrária à relativização, Gustavo Dantas Carvalho, representando a Defensoria Pública, afirmou que o texto do art. 833 do CPC é claro ao vedar penhora de verbas salariais inferiores a 50 salários mínimos em caso de dívidas não alimentares.

Nesse sentido, alertou que, na prática, a relativização tem gerado decisões indiscriminadas que afetam inclusive quem recebe um salário mínimo, com juízes generalizando entendimentos de precedentes específicos.

Segundo ele, essa flexibilização ignora a intenção clara do legislador de proteger a renda mínima do devedor e pode gerar efeitos perversos, como estímulo ao desemprego e ao trabalho informal, além de transferir indevidamente ao devedor o ônus de comprovar sua subsistência digna.

No mesmo sentido, a advogada Clarisse Frechiani Lara Leite, representando o IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual como amicus curiae, reforçou que a norma em debate é uma regra, e não um princípio, e deve ser interpretada com rigidez para evitar insegurança jurídica.

Mencionou o histórico legislativo da matéria, destacando tentativas frustradas de flexibilizar a regra de impenhorabilidade ao longo das últimas décadas, o que demonstra a opção consciente do legislador por um limite objetivo.

Alertou ainda para as consequências práticas de um precedente que transforme regra fechada em norma aberta, impondo forte carga cognitiva ao processo de execução e criando incertezas jurídicas e econômicas.

Também contrário à mitigação, representando a defensoria pública do Rio de Janeiro, José Aurélio de Araújo defendeu que a norma em debate impõe limites objetivos e políticos à atuação judicial e deve ser aplicada com fidelidade à sua literalidade.

Citando o professor Humberto Ávila, afirmou que interpretar "impenhorável" como "penhorável" constitui superinterpretação indevida.

Diante disso, sustentou que a norma visa reduzir controvérsias e proteger o mínimo existencial do devedor e sua família. Para ele, não há lacuna, antinomia ou ambiguidade normativa que justifique ponderações e flexibilizações.

"Não há como se admitir a prevalência do direito de crédito da instituição financeira sobre o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana", concluiu.

Voto do relator

Em voto, o relator, ministro Raul Araújo, destacou a fixação do limite de 50 salários mínimos para a exceção à impenhorabilidade salarial. De acordo com o ministro, esse patamar não representa a realidade brasileira, por se tratar de valor que, segundo ele, "dificilmente alguém no país aufere".

Nesse sentido, o relator propôs critérios objetivos para a relativização da regra de impenhorabilidade. Segundo ele, o mínimo existencial digno, fixado, em seu entendimento, entre um e dois salários mínimos, deve ser sempre protegido. Já a parcela do salário que ultrapassar os 50 salários mínimos pode ser penhorada integralmente, conforme prevê a própria legislação.

No entanto, destacou que a maior controvérsia se concentra na faixa intermediária: valores entre o mínimo existencial e o limite legal de 50 salários. Para essa faixa, o relator propõe que a penhora seja possível, mas limitada a um percentual máximo entre 35% e 45% da remuneração, a ser graduado conforme a essencialidade da dívida executada. Quanto mais essencial o objeto do crédito do credor, maior poderá ser o percentual penhorável, sempre respeitado esse teto.

Com base nessa lógica, o ministro apresentou duas propostas de tese a serem fixadas no julgamento repetitivo:

"1 - A relativização da regra da impenhorabilidade de verbas de caráter remuneratório para pagamento de dívida de natureza não alimentar, independentemente do valor percebido pelo devedor, é medida excepcional a ser adotada quando:  I - inviabilizados outros meios executórios que possam garantir a efetividade da execução e II - desde que avaliado concretamente o impacto na constrição, na subsistência digna do devedor e seus familiares.

 2 - A regra geral da impenhorabilidade de verbas de caráter remuneratório, CPC artigo 833, inciso IV, pode ser mitigada para pagamento de dívida de natureza não alimentar quando, frustradas outras tentativas ou meios executórios, for preservado o percentual de tais verbas capazes de assegurar a subsistência digna do devedor e de sua família."

Em ambas as versões, o relator destacou a importância de observar os critérios objetivos que apresentou: a proteção do mínimo existencial, a penhorabilidade total de valores que excedam 50 salários mínimos e a penhorabilidade parcial, com percentuais máximos, da faixa intermediária.

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha.

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/436276/stj-julga-penhora-de-salario-para-pagamento-de-divida-nao-alimentar

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