É crime mentir no currículo lattes?

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bit.ly/3ihLuAY | Pouco depois de anunciado o nome de Carlos Alberto Decotelli da Silva para o Ministério da Educação, a imprensa, sem perder tempo, começou a veicular as primeiras polêmicas ligadas ao nome do novo ministro.

Segundo informado, Franco Bartolacci, reitor da Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, afirmou que Carlos Decotelli não possui o título de doutorado naquela instituição.

A notícia causou certa surpresa.

Isso porque, contraria informação até então existente no currículo lattes do novo ministro. Também vai na contramão das palavras de Jair Bolsonaro ao anunciar Carlos Decotelli, uma vez que o Presidente mencionou o título de doutor do novo ministro.

Depois de todo o burburinho, Carlos Decotelli alterou o seu currículo, corrigindo as informações.

Agora que já relembrado o caso, surge o questionamento: afinal, é crime mentir no currículo lattes?

Como sempre busco deixar claro em minhas análises, este texto não tem motivações políticas e/ou ideológicas. Cuidarei apenas de realizar comentários de ordem jurídica.

Para quem não está muito habituado ao termo, o currículo lattes faz parte de uma plataforma voltada para o registro do “caminho acadêmico” de estudantes e pesquisadores.

Nele, todas as atividades acadêmicas (relevantes) ficam registradas, servindo como um medidor da qualificação da pessoa.

Para muitos, ter um currículo lattes extenso é um sinal de vaidade, ainda que a produção acadêmica nem seja tão extensa assim. Por isso, quem transita pelos corredores das Universidades sabe muito bem que mentir na confecção do lattes é uma prática bastante comum.

O Código Penal Brasileiro, do artigo 296 ao 305, trata dos crimes de falsidade documentação. Para o nosso estudo, somente três desses delitos terão relevância. São eles:

a) Falsificação de documento público (art. 297) – consiste em “falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro”.

b) Falsificação de documento particular (art. 298) – “falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro.

c) Falsidade ideológica (art. 299) – “ omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Será que a conduta do Ministro pode ser amoldada, ao menos em tese, em algum dos crimes anteriormente citados?

Em interessante decisão sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela impossibilidade de responsabilizar criminalmente por crime de falsidade ideológica o agente que mente em seu currículo lattes (Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2017).

E qual a razão disso?

Para a Corte, o lattes não pode ser considerado um documento. Isso ocorre porque, como se sabe, para fazer uso da plataforma, o usuário deve criar/preencher um login e uma senha e, logo em seguida, inserir ou atualizar as suas informações, as quais ficam todas armazenadas virtualmente.

Ou seja, o currículo lattes não pode ser considerado documento porque não tem a característica que o permite ser manuseado fisicamente.

Segundo entendeu o STJ, para que se considere um documento produzido em meio eletrônico como digital, é imprescindível a possibilidade de verificação da autenticidade desse documento por uma assinatura digital, o que não é o caso do lattes.

O mesmo raciocínio pode ser verificado em relação aos crimes previstos nos artigos 297 (falsificação de documento público) e 298 (falsificação de documento particular), ambos do Código Penal, já que, como dito, a sua caracterização exige a falsificação de documento.

Contudo, conforme decidido pelo STJ, o currículo lattes não pode ser considerado documento.

Portanto, ainda que a conduta do Ministro possa figurar como moralmente reprovável, ao menos em tese, criminosa ela não foi.
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Referência:

Dizer o Direito.

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Victor Emídio
Estudante de Direito
Atualmente, cursando o 7° período do Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos, em Barbacena/MG. Estagiário acadêmico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), após aprovação em 1° lugar no concurso de seleção. Apaixonado pelo Direito e eternamente curioso pelos seus impactos nas esferas políticas e sociais. Alguém que vê nos poderes da escrita e da leitura formas de alcançarmos o tão sonhado mundo melhor. Futuro advogado criminalista.
Fonte: emidiovictor.jusbrasil.com.br

8/Comentários

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  1. Convém lembrar que é preciso ver motivação da inserção dos dados no currículo Lattes, por que apesar de não ser documento na cabeça esdrúxula da Corte, o mesmo é usado para ingresso em seleção de pós-graduação com requinte documental. Além do fato, de que a titulação acadêmica é utilizada para acréscimo salariais o que pode ser visto como obtenção de vantagem econômica. Claro que se deve ver o dolo ou as motivações da conduta. Contudo é estranho alguém que é professor universitário inserir dados falso pela simples vaidade.

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  2. Não concordo com a afirmação de que mentir no Lattes é comum nos corredores universitários.
    Afinal, o Lattes nada mais é que a divulgação de um currículo acadêmico, devidamente comprovado.

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  3. Ah, e quanto à ser crime ou não....é impressionante como no nosso País sempre há um "embasamento legal" para não caracterizar a ação de fato.

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  4. Sou pesquisador e professor universitario da
    UFMG área de Ciências Biológicas, e não tenho qualquer formação em direito. Porém, gostaria de destacar alguns pontos. Concordo com o comentário acima de que mentir no currículo Lattes não é uma prática comum nós corredores universitários, apesar de ocorrer. É menos comum ainda entre docentes, sendo o modelo padrão utilizado em concursos públicos e comprovação de expertise e qualidade acadêmica na solicitação de verbas para projetos junto a órgãos públicos de fomento, principalmente, mas não apenas, ao Ministério da Educação e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. No meio acadêmico ele é considerado um documento, e extremamente importante.
    Creio também que uma questão a ser considerada juridicamente: ao enviar o currículo Lattes para a sua publicação no site do CNPq, que é um órgão do MCTI, é necessário assinalar a concordância com o termo de adesão e compromisso. Caso contrário não é possível enviar o currículo, e isto deve ser feito também toda vez que o dono do currículo fizer qualquer alteração, por mínima que seja.
    "Declaração
    O solicitante declara formalmente que está de acordo com o Termo de adesão e compromisso da Plataforma Lattes
    (declaração feita em observância aos artigos 297-299 do Código Penal Brasileiro)
    Li e estou de acordo com a declaração acima"
    A declaração pode ser lisa no link: https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/pkg_publicar.mostrar_termo_comp

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    1. (me desculpem os diversos erros de digitação; digitando rapidamente no celular com um maldito corretor ortográfico me atrapalhando)

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  5. Complementando:
    O currículo Lattes é utilizado como base para as informações anuais utilizadas na plataforma da CAPES (órgão do Ministério da Educação) utilizada para consolidação de todos os dados dos cursos de pós-graduação sensu lato e sua subsequente avaliação.
    Além deste e dos citados anteriormente, a quantidade de exemplos da utilização deste documento no serviço público são é muito extensa.

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    1. "serviço público é muito extensa"
      (me desculpem; digitando rapidamente no celular)

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  6. Eduardo concordo peremptoriamente com seus comentários, e principalmente quando ao final do preenchimento, ou oferecimento ao Lattes de novos dados, SEMPRE tem que concordar que todas as informações são verídicas, à custa de caso não seja, haver responsabilidade criminal, como o professor muito bem o colocou. Trabalho na academia há mais de uma década, continuo meus estudos na academia, e me soa destoante a ideia de haver muitas “mentiras, ou inverdades” no Lattes. Para cada acréscimo ali feito, você tem que comprovar através dos documentos necessários a veracidade das informações prestadas. Com toda humildade, e com decoro, digo que tal artigo é um convite as novas e maiores falsificação. Terminando, o direito penal, não tem como base a moral, por motivos óbvios, mas tem sim sua tipificação no caso em comento. Ele, ex ministro concordou em provar, que os títulos e tudo o mais tem documentos comprobatórios acerca do que ele apresenta no Lattes, assim sendo, se não consegue comprovar está assumindo sim uma conduta criminosa.

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