Advogado reúne curiosidades sobre Suprema Corte dos EUA e seus justices

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bit.ly/3kuyp8d | O advogado da União Rodrigo Becker sempre gostou de estudar sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos e seus justices. Ele conta que sempre gostou de estudar sobre a corte e compilou nos últimos anos, como hobby, diversas curiosidades que encontrou sobre eles.

Parte do conteúdo, Becker organizou em uma sequência de publicações em seu Twitter sobre o que chamou de "os 50 juízes mais icônicos da corte". A ideia, conta à ConJur, é transformar em um livro.

A compilação de Becker conta com o juiz da Suprema Corte que mais tempo permaneceu no cargo, o que ficou menos tempo ficou, suas preferências, como foram as sabatinas, dentre outros.

Becker é consultor jurídico do Distrito Federal. Doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor de Processo Civil no IDP.

Sobre a questão sempre debatida de que o Brasil caminha na direção do common law, ele afirma que isso não vai acontecer. "O common law americano é trazido dos ingleses que emigraram para os Estados Unidos e colonizaram. Hoje os países que têm common law foram colonizados, então é algo cultural, não é simplesmente jurídico", diz.

De acordo com ele, o Brasil simplesmente não tem a mesma cultura. "Nós podemos ter hoje pitadas de common law, por exemplo, respeito a precedentes, força dos tribunais superiores. Não temos o common law aqui e não vamos ter tão cedo."

Leia abaixo os principais destaques do advogado:

Passagem à jato

James Byrnes esteve na Suprema Corte apenas um ano, sendo dono do segundo menor mandato. Por que um juiz que ficou tão pouco tempo na corte vai ser icônico? Becker conta que o juiz renunciou ao cargo para se dedicar ao Poder Executivo.

"Pô, deixou de ser juiz da Suprema Corte para se dedicar ao Executivo. Acontece! No Brasil teve um caso, que foi o ministro Rezek". Francisco Rezek deixou o Supremo Tribunal Federal em 1990 para ser ministro das relações exteriores do governo Collor. Byrnes renunciou ao cargo para inicialmente atuar como Secretário de Estabilização Econômica de Roosevelt. 

Além disso, Becker diz que ele foi o último juiz a ser nomeado para a  Corte sem ter frequentado uma faculdade de Direito. "Era advogado porque praticou o ‘reading law', forma antigamente comum, nos EUA, de se estudar direito por conta própria."

Menor mandato

Thomas Johnson ficou apenas 163 dias no cargo, em 1792. Ele não se destaca em termos jurídicos, segundo Becker, o que chama a atenção é ter sido um dos poucos americanos a ter exercido um cargo nos três poderes federais.

O austríaco

Felix Frankfurter esteve na Scotus de 1939 a 1962. É um dos únicos juízes da história da Suprema Corte a ter nascido fora do Estados Unidos. "Ele era austríaco e só aos 12 anos se mudou para Nova York, onde foi professor de Direito Administrativo em Harvard, mas se tornou um grande nome do Processo Civil americano", conta Becker.

A questão é bem interessante, diz o advogado, já que o Supremo Tribunal Federal não admite a possibilidade de haver ministro estrangeiro. No Brasil, é preciso ter reputação ilibada, notório saber jurídico e 35 anos. "Nos Estados Unidos não há essa vedação. O presidente escolhe quem ele quiser e esse indicado deve passar pela sabatina do Senado." 

Sabatina americana

De acordo com Becker, a sabatina nos Estados Unidos "reprova mesmo". Em outubro de 2005, o então presidente George W. Bush indicou a advogada Harriet Miers para a corte. Antes da sabatina oficial, ela começou a se apresentar para os senadores, mas foi "muito mal nessas entrevistas". "Os senadores falaram para o presidente à época que era melhor ele retirar a indicação porque ela não iria passar", explicou Becker. 

"To Bork"

Antes, em 1987, o presidente Ronald Reagan indicou Robert Bork, que chegou a ir até a sabatina, mas foi reprovado pela ideologia. "Bork disse tudo o que os senadores não queriam ouvir. Militou. "Eu sou completamente contra o aborto. Isso não existe", ele dizia. Aí falaram para ele: 'Você não pode dar esse tipo de resposta na sabatina, você tem que ter uma resposta mais ponderada'", contou Becker. Ele foi o último juiz reprovado em sabatina. 

Outra curiosidade, segundo Becker, é o verbo "to bork" em inglês. "Os dicionários 'merriam-webster' e 'macmillan' o definem como 'tentar impedir alguém de assumir cargo eleitoral ou público'. A origem é justamente a forma de enfrentamento de Bork no Senado", explica. "O verbo pode ser entendido também como 'atacar injustamente alguém que pretende assumir um cargo público ou que concorre em uma eleição'".

Marbury v. Madison

John Marshall foi o 4º Presidente da Suprema Corte dos EUA e o que mais tempo ficou na presidência: 34 anos. Segundo Becker, ele teve papel crucial para na fixação das bases para o controle difuso de constitucionalidade, com o caso Marbury v. Madison.

"A Suprema Corte era um tribunal instituído pela Constituição americana, mas não era uma coisa estabelecida ainda. Esse julgamento entende-se que foi um divisor de águas, de modo a demonstrar a importância da Suprema Corte no cenário norte-americano. Inclusive, estudiosos dizem que a depender da decisão de Marshall ali, ele poderia ter acabado com a Suprema Corte", afirma.

Outro caso de destaque foi o Fletcher v. Peck. Nele, "a Corte afirmou a validade da 'contract clause' constitucional, que estabelece restrições às atuações dos Estados da Federação para manter a soberania da União. Marshall era um grande influenciador dos demais juízes e isso serviu para que, durante sua presidência, a Suprema Corte afirmasse a soberania federal em detrimentos dos Estados".

Presidência

A presidência da Scotus não acontece como no Brasil. Lá, o presidente é quem escolhe quem irá presidir a Corte. George W. Bush, quando vagou a cadeira da presidência em 2005, teve que escolher um presidente. Ele não escolheu um juiz, escolheu um presidente.

"Uma das razões que leva o presidente do país a escolher o presidente da Suprema Corte é a sua possível capacidade de liderar a Corte, de não ser apenas um juiz, mas sim de conseguir fazer costuras políticas", afirma Becker.

Earl Warren

Com Earl Warren na presidência, a Suprema Corte dos EUA teve seu período mais liberal da história. Até então, a Corte era conservadora, chegou a proteger a escravidão, o desrespeito à determinada raça, que era o caso dos nipônicos durante a Segunda Guerra, conta Becker.

"Nos anos 1950, 60, passou a ser uma Corte com decisões liberais comandada por um juiz. Para a época, era quase uma afronta, já que a sociedade era muito conservadora nos Estados Unidos."

William Rehnquist

Já Rehnquist chegou em 1972 e foi um presidente conservador, mas "histórico", diz Becker.  "Ele dá à Suprema Corte uma seriedade e uma roupagem que, ao meu ver, jamais outro presidente tinha dado. Ele era conservador, extremamente formalista, mas muito respeitado. Foi juiz e depois presidente da Suprema Corte."

Suprema

"Notória" e "Suprema" são algumas das alcunhas atribuídas à progressista Ruth Bader Ginsburg, juíza mais antiga da Suprema Corte dos Estados Unidos, também conhecida por sua busca pelos direitos das mulheres e das minorias. Ela morreu em setembro aos 87 anos.

Foi indicada para a corte em 1993 pelo presidente Bill Clinton. "Por conta de sua sabatina no Senado foi criada a expressão 'Ginsburg rule', que define a prática de um nomeado à Corte de não responder certas perguntas dos Senadores durante a sabatina. A expressão foi idealizada porque Ginsburg se recusou a responder certas perguntas sobre temas pontuais com o seguinte argumento: 'Qualquer coisa que eu disser pode ser tomada como uma dica ou uma previsão de como eu decidiria na Corte'. Desde então, essa resposta faz parte da prática."

Leitura do julgamento

De acordo com o advogado, devido a pluralização, em casos mais rumorosos é possível fazer uma leitura de um julgamento na Suprema Corte americana com mais antecedência do que no Brasil. Embora não aconteça sempre, diz, é um padrão: Ou o juiz é nomeado por um Democrata ou por um Republicano. "E normalmente vai seguir essa linha."

"O juiz é nomeado por um Republicano, ou seja, um conservador. Mas depois de entrar na corte ele muda de concepção e passa a ser progressista. Não é comum, mas acontece. David Souter é um juiz exemplo disso. Ele foi indicado pelo Bush pai, um Republicano, e migrou, passando a ter posições liberais na Corte. E o Bush pai fala que foi a pior escolha que ele fez!"

Ao vivo

A Suprema Corte dos EUA teve, em maio deste ano, a primeira transmissão ao vivo, por áudio, em sua história de 231 anos. A exceção foi feita em razão da epidemia do coronavírus. A transmissão por vídeo ainda está fora dos planos da corte. "Os ministros participaram da sessão por telefone! Pela primeira vez na história foi possível conseguir ouvir uma sessão da Suprema Corte americana ao vivo. Geralmente as sessões são gravadas e depois elas ficam disponibilizadas. Mas ao vivo é a primeira vez!", contou Becker animado. 

Deliberações secretas

Outro ponto de destaque nas diferenças entre a Suprema Corte dos EUA e a brasileira trata das deliberações. Nos hearings, que são uma espécie de sustentações orais, o advogado ocupa a tribuna, é perguntado pelos juízes sobre o caso, "quase uma prova oral do advogado". "Quando termina essa sessão, em dias específicos, os juízes se reúnem numa sala secreta que só os nove têm acesso. Nenhum tipo de funcionário tem acesso", explica.

TV Justiça

Questionado sobre sua opinião da TV Justiça e as transmissões ao vivo, Becker diz "o Supremo Tribunal Federal acaba sendo mais democrático. Toda a população tem acesso ao que está sendo deliberado". Por outro lado, diz, os julgamentos são muito mais demorados aqui.

Número de processos

De acordo com Becker, é preciso desmistificar a comparação com a ideia de que a Suprema Corte dos EUA julga apenas oitenta processos por ano. "A Suprema Corte analisa 8 mil casos por ano. Desses uma média 80 vão para julgamento. A diferença é que desses 8 mil muitos não vão ter qualquer tipo de decisão. Vão ter só lá uma mençãozinha de que o caso foi negado. Negado significa 'nós não vamos julgar'", explica.

"Se quiser dizer que a Suprema Corte americana só leva para julgamento em Plenário, com sustentações orais, oitenta processos, aí é verdade."

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal fechou o ano com o menor acervo de processos dos últimos 20 anos: 31.279 processos em tramitação. Foram proferidas 115,6 mil decisões. A Constituição exige que todas as decisões sejam fundamentadas.

Por Fernanda Valente
Fonte: Conjur

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