Os efeitos da culpa na dissolução da sociedade conjugal (divórcio/separação)

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bit.ly/3eVdppf | O objetivo deste artigo é demonstrar que, embora atualmente mitigada, a culpa, seguramente, ainda possui importância e consequências para o cônjuge que infringiu um dos deveres do casamento, nas demandas em que o casal não consiga encerrar de maneira amigável o seu relacionamento, consensualidade esta, como sabemos, buscada pelo legislador (artigo 694, CPC).

Primeiramente, gostaria de estabelecer que entendo por culpa a violação objetiva, por parte de um dos consortes, de dever conjugal prescrito na lei; pouco importa o motivo (a causa) dessa violação. Quanto a tais obrigações inerentes à relação matrimonial, o legislador as estabeleceu no Código Civil:

"Artigo 1.566 — São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal (dever de coabitação e débito conjugal);

III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos".

Como primeira consequência, está a de que o culpado não tem direito a alimentos, exceto se precisar de alimentos humanitários e, mesmo assim, lhe cabe o ônus da prova dessa necessidade (artigo 1.694, §2º, e parágrafo único do artigo 1.704). Não possui, portanto, direito aos alimentos civis, aqueles previstos no caput do artigo 1.694 CCB e que são destinados à manutenção do padrão social.

Disso decorre uma estratégia interessante em ações de divórcio litigioso: embora o divórcio seja um direito potestativo incondicionado, vale dizer, não há necessidade de motivação, pode ser de interesse do cônjuge autor da demanda provar que o rompimento da relação decorreu de culpa do réu, pois isso lhe abrirá as portas para a busca por alimentos civis. Este, por sua vez, se a causa de pedir contiver imputação de que teria sido o infrator, deverá se defender para comprovar que não foi o culpado, o que lhe permitirá escapar de uma condenação de pagar essa espécie de alimentos, reduzindo significativamente o valor da pensão alimentícia, pois ficará limitada a um valor suficiente apenas para a indispensável sobrevivência do ex-consorte (parágrafo único do artigo 1.704, CCB).

Lado outro, o réu, se não existir na petição inicial menção ao motivo do rompimento do relacionamento, ainda assim poderá, em sede de reconvenção (artigo 343, CPC), alegar culpa do cônjuge autor, pois, se comprovada, ficará isento de, futuramente, ser demandado para prover alimentos ao ex-cônjuge (alimentos pós-divórcio).

Nesse particular, impõe-se mencionar que a legalidade dos denominados alimentos pós-divórcio é questionável, pois, extinta a sociedade conjugal, desfazem-se todos os vínculos que havia entre os cônjuges. Todavia, uma parcela minoritária da doutrina defende que o metajurídico dever de solidariedade permaneceria mesmo depois do divórcio, opinião emitida com base no Princípio da Solidariedade Familiar e no do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana, os quais, todavia, entendo que, nesses casos, esbarram na regra da legalidade prevista na Constituição: "Artigo 5º — II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Outro efeito da infração dos deveres do casamento é o de que o culpado não tem direito de manter o sobrenome do ex-cônjuge, exceto se provar que a sua exclusão lhe trará prejuízos; tem o ônus da prova dessa alegação:

"Artigo 1.578 — O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:

I - evidente prejuízo para a sua identificação;

II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III - dano grave reconhecido na decisão judicial".

Como terceiro efeito, temos que o culpado, não pelo divórcio, mas pela separação de fato não participa da sucessão do outro (artigo 1.830, CCB), o que configura interessante hipótese de discussão de culpa em separação de fato.

Ainda como efeito da culpa, destaca-se a questão do abandono do lar, isto é, da violação do dever de coabitação, com afastamento físico definitivo da residência do casal. Esse ato culposo pode acarretar a aquisição de propriedade pelo cônjuge inocente, qual seja, a meação pertencente ao culpado incidente sobre o imóvel. É o que dispõe a Lei nº 12.424/2011, que alterou o CCB e criou a figura do Usucapião de Direito de Família:

"Artigo 1.240-A — Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§1º. O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez".

Por outro lado, a culpa não tem consequência no que tange à guarda dos filhos (ver artigo 1.584 CCB), haja vista a revogação do artigo 5º e artigo 10 da Lei do Divórcio, dispositivos que prescreviam o seguinte:

"Artigo 5º — A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum.

Artigo 10 — Na separação judicial fundada no caput  do artigo 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a e não houver dado causa".

Assim, a guarda das crianças ficará com o genitor que possuir melhores condições de criá-las, conforme artigo 1.583 e seguintes do CCB.

Por fim, parece não constituir heresia afirmar que, antes da Emenda Constitucional 66/2010, se a ação de divórcio/separação fosse proposta tendo causa de pedir a culpa do requerido, cabia ao requerente a prova dessa alegação, sob pena de improcedência do pedido. Entendo que hoje esse posicionamento não mais se sustenta, haja vista que a faculdade de se divorciar é um direito potestativo incondicionado. Por tal motivo, proposta a ação com base na culpa do réu, deve ser decretado o desfazimento do vínculo matrimonial, ainda que não demonstrada a violação de dever do casamento por parte ele. Naturalmente, nessa situação, o réu não sofrerá nenhum dos efeitos da culpa, isto é, os acima listados.

Conclui-se assim que, embora a discussão sobre a culpa tenha perdido força com a desnecessidade de motivação do pedido de desfazimento do vínculo matrimonial, ainda existem várias razões para que seja trazida aos autos de uma ação de divórcio litigioso.
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Francisco Vieira Lima Neto é professor de Direito de Família da Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo.
Fonte: Conjur

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