Jornalista gaúcho que ironizou juiz em audiência é absolvido por desacato

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bit.ly/38RnbHR | Se as ofensas não carregam o dolo específico de humilhar ou desprestigiar o agente público no exercício de suas funções, não se pode falar na perfectibilização do crime de desacato, previsto no artigo 331 do Código Penal.

Com este entendimento, a Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul acolheu apelação do jornalista e publicitário Rogério Costa Arantes, denunciado e condenado no primeiro grau por desacato ao juiz Gerson Martins da Silva durante uma audiência judicial realizada na 2° Vara Criminal de Bento Gonçalves, em novembro de 2016.

O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na sessão telepresencial de 26 de outubro.

No modo ironia

Segundo a denúncia do Ministério Público, o fato delituoso ocorreu quando o juiz presidia uma audiência para definir medidas protetivas requeridas pela ex-mulher do jornalista, num expediente da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Em meio à solenidade judicial, Rogério se comportava de modo reprovável, segundo o MP. Falava alto e não atendia aos pedidos do juiz para que se mantivesse em silêncio.

Como resposta a uma destas advertências, o jornalista, ironicamente, deu os "parabéns" ao juiz, insistindo em discutir sobre os termos do despacho liminar proferido naquele processo. Para o MP, o denunciado agiu com o claro intuito de menosprezar e desprestigiar a função pública.

Sentença condenatória

O Juizado Especial Criminal Adjunto da comarca de Bento Gonçalves julgou procedente a ação, condenado o réu a seis meses de detenção, em regime aberto. Posteriormente, na dosimetria, a prisão foi substituída por pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de trabalho por dia de condenação.

A sentença destaca que os relatos do juiz ofendido e das testemunhas ouvidas em audiência atestam, de forma clara, o fato narrado na denúncia, sem deixar dúvidas sobre a ocorrência do crime de desacato. "Assim, tem-se que a narrativa prestada em depoimento confirmou que houve ofensa por parte do réu, em claro intuito de ofender o respeito e o prestígio da função pública, de forma a impedir o regular andamento das atividades administrativas", resumiu o juiz Gilberto Pinto Fontoura.

Absolvição na Turma Recursal

O relator da apelação na Turma Recursal Criminal dos JECs, juiz Luiz Antônio Alves Capra, reformou o julgado, por verificar a ausência do elemento subjetivo que postula o tipo penal previsto no artigo 331 do Código Penal. Com isso, ele absolveu o denunciado com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal — falta de provas para amparar a condenação.

Diferentemente do juízo de origem, Capra observou que os relatos testemunhais sinalizam que o proceder do réu não constituiu o dolo necessário ao tipo penal, mas ocorreu devido à inconformidade com a situação vivida naquele momento. É que o jornalista estava muito nervoso e indignado por ter sido chamado de agressor, além de não ter conseguido tempo suficiente para se explicar na audiência. Em síntese, sobreveio dúvida acerca da intenção do réu em desacatar o magistrado.

Simples desabafo

Para o relator, a conduta do acusado está mais próxima de um desabafo. É que o fato de dar "parabéns" ao magistrado, a seu ver, não decorre da "vontade livre e consciente" de violar a honra subjetiva daquele julgador. Antes, emanou do fato do réu se sentir injustiçado com o andamento daquela audiência.

"Cumpre referir, ainda, que é extremamente temerário concluir, a partir de uma única palavra proferida, a qual não constitui por si só uma ofensa, a intenção do acusado em ofender, humilhar, causar vexame ou menosprezar o funcionário público em razão de suas funções. Ademais, indiscutível é o fato, atestado por todos os depoimentos, de que o acusado estava com os ânimos exaltados. É cediço neste Colegiado, pois, que a exaltação afasta a caracterização do dolo específico", escreveu no voto.

Reações humanas

Em consonância com o entendimento do relator, o juiz Luís Gustavo Zanella Piccinin observou que os conflitos no âmbito da Lei Maria da Penha — por seu peso emocional — despertam os mais diversos sentimentos humanos, culminando em negação, raiva e até barganha. Afinal, estas ações tratam da retirada do homem de sua própria casa, deliberam sobre a guarda de filhos e podem comprometer o direito de ir e vir de uma das partes no litígio.

"Esse é o arcabouço terrível do espólio da relação afetiva e que faz com que as pessoas reajam com a humanidade e os valores que lhes são intrínsecos; vale dizer, a revolta, o sarcasmo, o eventual deboche estão para muito antes ligados ao gatilho emocional da ruptura forçada do que propriamente a qualquer intenção voltar-se contra o prestigio das funções do Estado, como no caso julgado", escreve no voto.

Na percepção de Piccinin, o fato narrado nos autos deve ser analisado e julgado considerando esta dimensão. No caso concreto, frisou, o réu viu a família que construiu se desmoronar diante de seus olhos, culpando ora a ex-mulher, ora o juiz que conduzia a audiência. Estavam em jogo dez anos de relacionamento e o futuro de dois filhos menores.

"Em arremate, o que se viu foi, sim, um desabafo de um pai/ex-companheiro um tanto descontrolado com a situação que se lhe descortinava, bradando palavras quase desconexas em sentido complexo de ideias, voltando-se contra aquilo que lhe pareceu injusto com sarcasmo, humor nervoso e algum despeito para com a solenidade, mas isso está no campo da reação das emoções humanas mais profundas e por vezes cognoscíveis apenas pelos profissionais da mente humana", finalizou Piccinin.

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005/2.16.0006222-2 (Comarca de Bento Gonçalves-RS)

*(Imagem meramente ilustrativa: reprodução Internet)

Por Jomar Martins
Fonte: Conjur

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