O STF e a assistência judiciária gratuita na Justiça do Trabalho

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Na quarta-feira, 20/10/2020, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade das normas trabalhistas que alteravam a gratuidade da justiça a trabalhadores que comprovassem insuficiência de recursos.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ADI 5766, questionava o dispositivo que estabelecia a necessidade de pagamento de honorários periciais e advocatícios pela parte derrotada (honorários de sucumbência), mesmo que esta seja beneficiária da justiça gratuita, e o que impõe o pagamento de custas pelo beneficiário que faltar injustificadamente à audiência inicial.

Por maioria de votos, o Tribunal Máximo Brasileiro considerou inconstitucional o artigo 790-B, caput e § 4º, da CLT, que regulamentava o pagamento de honorários periciais pela parte derrotada, ainda que beneficiária da justiça gratuita, bem como o artigo 791-A, § 4º, da CLT, que autorizava o uso de créditos trabalhistas devidos ao beneficiário da gratuidade de justiça, em outro processo, para o pagamento de honorários de sucumbência.

Importante salientar, ainda, que o pagamento de honorários sucumbências foi mantido pela Corte brasileira para as partes autossuficientes, ou seja, para os não beneficiários da justiça gratuita.

Manteve-se, também, a imposição do pagamento de custas judiciais pelo beneficiário da gratuidade de justiça que faltar à audiência inicial sem justificativa (artigo 844., § 2º, da CLT).

Introduzida em 2017 pela Lei 13.467/2017, os artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, ambos da CLT, previam a responsabilização do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento dos honorários ao perito e ao advogado caso sucumbisse na pretensão objeto da perícia e demais requerimentos da ação, respectivamente.

A intenção do julgador em responsabilizar o parte perdedora da ação surgiu com o intuito de desestimular as chamadas "ações temerárias", ou seja, aquelas cujas chances de êxito são pequenas, porém, nenhum ônus financeiro recairia sob a parte sucumbente.

No ano posterior a vigência da reforma trabalhista houve uma redução significativa no ajuizamento de reclamações trabalhistas. Somente no ano de 2018 houve uma queda de 34,2% no número de ações trabalhistas. Segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho, entre janeiro e dezembro de 2017 houve o ajuizamento de 2.630.842 processos trabalhistas. Já no mesmo período de 2018, a Justiça do Trabalho registrou 1.730.703 novas ações.

No ano de 2019 foram recebidos 1.823.440 casos novos, 5,4% a mais que em 2018. Por sua vez, em 2020 houve o registro de 1.463.481 casos novos, 19,7% a menos que em 2019 e 44,37% a menos comparado ao ano de 2017, ano da entrada em vigor da reforma trabalhista.

Vislumbra-se, então, que os artigos que "penalizavam" a parte perdedora na justiça do trabalho de fato trouxe uma queda na litigiosidade em razão da cautela das partes por conta de um possível ônus financeiro caso não obtivessem sucesso na ação.

Ocorre que, se por um lado a nova legislação trabalhista freou lides baseadas no "vai que cola", o novo regramento obstaculizou o acesso à justiça daqueles que efetivamente necessitam da tutela do judiciário trabalhista por medo de ter de arcar com valores que estão além de sua condição financeira. Segundo levantamento da consultoria iDados, 30,2 milhões de brasileiros sobrevivem com até um salário-mínimo, que atualmente corresponde a R$ 1.100,00.

E foram estas questões que dividiram as opiniões dos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento relativo as novas normas trabalhistas sobre a gratuidade de justiça.

Segundo o site do Supremo Tribunal Federal [1], durante o julgamento ocorrido na quarta-feira, dia 20/10, havia duas correntes de entendimento. A primeira, apresentada pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, considerava que as regras são compatíveis com a Constituição Federal e visam apenas evitar a judicialização excessiva das relações de trabalho e a chamada "litigância frívola". Essa corrente, integrada, também, pelos ministros Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luiz Fux (presidente), defendeu a procedência parcial da ação para limitar a cobrança de honorários, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias, a até 30% do valor excedente ao teto do Regime Geral de Previdência Social.

Por outro lado, o ministro Edson Fachin votou pela declaração de inconstitucionalidade de todas as normas impugnadas. Segundo ele, as regras introduzidas pela reforma trabalhista restringem os direitos fundamentais de acesso à Justiça e o direito fundamental e da assistência judiciária gratuita. Esse entendimento foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski e pela ministra Rosa Weber.

Contudo, prevaleceu a proposta apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, que julgou inconstitucionais os dispositivos relativos à cobrança dos honorários de sucumbência e periciais da parte perdedora, mas admitiu a cobrança de custas caso o trabalhador falte à audiência inaugural sem apresentar justificativa legal no prazo de 15 dias.

De acordo com o ministro, a lei estipula condições inconstitucionais para a gratuidade da Justiça, ao partir da presunção absoluta de que um trabalhador, ao vencer determinado processo, já se tornou autossuficiente. A seu ver, as normas apresentam obstáculos à efetiva aplicação da regra constitucional que determina que o Estado preste assistência judicial, integral e gratuita, às pessoas que comprovem insuficiência de recursos (artigo 5º, inciso LXXIV).

De mais a mais, com essa decisão podemos visualizar duas certezas: garantiu-se o acesso à justiça àqueles que efetivamente necessitam da tutela do judiciário trabalhista e que não poderiam arcar com os custos da sucumbência; haverá um aumento, mesmo que inicialmente módico, de novas demandas trabalhistas.
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[1] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=475159&ori=1. Acesso em 28 de out. de 2021.
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Vinicius Bom Silveira é pós-graduando em Advocacia Trabalhista pela Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB), com atuação na área de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.
Fonte: Conjur

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