TJ-SP mantém rejeição de denúncia após MP não oferecer acordo a acusado

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Via @consultor_juridico | O poder do Ministério Público para oferecer, ou não, um acordo de não persecução penal não é absoluto, discricionário nem totalmente imune a qualquer controle, inclusive o judicial.

O entendimento é da 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao rejeitar recurso do Ministério Público contra decisão de primeiro grau que trancou uma ação penal por ausência do interesse de agir, em razão da recusa no oferecimento do acordo de não persecução penal.

O caso envolve um homem preso em flagrante com 29 porções de maconha. Ele foi denunciado por tráfico de drogas. O juízo de origem intimou o Ministério Público a explicar as razões pelas quais não teria proposto o ANPP. O MP, então, insistiu na recusa do acordo e o magistrado rejeitou a denúncia por ausência de condição de ação representada pela falta de interesse de agir.

Ao TJ-SP, o Ministério Público afirmou ser prerrogativa sua, e não direito subjetivo do investigado, o oferecimento da proposta de acordo de não persecução penal. Para o MP, a decisão criaria condições de procedibilidade inexistentes. O órgão também defendeu a justa causa para o processamento da ação penal em questão. Entretanto, em votação unânime, o recurso foi rejeitado. 

Em seu voto, o relator, desembargador Marcos Alexandre Coelho Zilli, discorreu sobre a importância da Justiça consensual. Para ele, a ampliação dos espaços de consenso no processo penal brasileiro é um movimento "crescente, consistente e irreversível". "Os modos de Justiça disputada e de Justiça consensual não são mundos estanques e isolados. Ao contrário, guardam interrelações e intersecções que são pouco exploradas pela doutrina", disse.

O magistrado destacou os mecanismos que estabelecem caminhos alternativos de solução do conflito penal sem afirmação de culpa ou mesmo de responsabilidade penal, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, "legítimos representantes da primeira geração da revolução consensual no processo penal brasileiro, e o novel acordo de não persecução penal".

Para Zilli, nesses mecanismos, a busca por caminhos alternativos não é apenas, e tão somente, o de impedir o acionamento da Justiça disputada, mas sim o de solucionar o conflito penal sem afirmação de culpa e imposição de sanção penal: "Assim sendo, mais do que despenalizar, os institutos evitam a estigmatização que decorre não só do processo, mas também da afirmação da culpa penal. Os institutos não refletem uma política de processo, mas sim, uma política criminal".

A implementação do ANPP

O relator também fez um histórico das tentativas de implantação do acordo de não persecução penal, antes da vigência da Lei 13.964/2019 ("pacote anticrime"), por meio de resoluções do Conselho Nacional de Justiça. Para ele, a introdução do ANPP ampliou os horizontes consensuais de forma significativa. 

"Da parte do investigado, a opção pelo acordo implica renúncia ao exercício de vários direitos e garantias vinculados ao processo penal tradicional. Não há aqui qualquer novidade. A inovação fica pela exigência da confissão, formal e circunstanciada que, dessa forma, figura como requisito da proposta. Ou seja, o acordo pressupõe renúncia ao exercício do direito ao silêncio. Não há inconstitucionalidade", afirmou.

Na visão de Zilli, podem surgir problemas na atuação do juiz diante da recusa do MP em oferecer o acordo: "Muito embora a jurisprudência tenha se ossificado em torno da inatividade judicial em sede de supressão da omissão do Ministério Público, a questão exige leituras menos radicais e compatibilizadas com um modelo onde a intervenção judicial se mostra necessária para coibir eventuais excessos representados pela omissão infundada e injustificável".

O magistrado disse que o poder do MP para oferecer o ANPP não é absoluto e imune a controle judicial. "Recusas infundadas ou desarrazoadas comportam correção, não se podendo retirar do Judiciário o exame sobre a lesão ou ameaça de lesão, mormente quando esta envolver a liberdade. Não se concebe que o MP, como ator igualmente responsável pela concretização de políticas criminais, não apresente qualquer justificativa para a recusa do uso da via consensual ou que apresente justificativa não amparada pela própria lei", completou.

Zilli disse ainda que a noção de necessidade, no processo penal, não passa pela ideia de resistência, mas sim, pela impossibilidade de uso das vias negociadas de solução do conflito penal quando estas estão presentes e se mostram cabíveis. "Dito de outra forma: o processamento da ação penal e o uso da Justiça disputada somente será necessário quando não for possível o uso da via alternativa negociada porquanto ausentes os seus requisitos", explicou o magistrado.

Sendo assim, prosseguiu, não haverá interesse de agir no uso da via disputada enquanto não estiver esgotada a possibilidade do uso da via consensual. Logo, ele concluiu que o interesse de agir do órgão acusador na promoção da ação penal vincula-se, igualmente, ao esgotamento do interesse primário do Estado no uso da Justiça consensual.

Da hipótese dos autos

No caso dos autos, a recusa na oferta do acordo de não persecução penal, foi embasada, segundo o MP, na ausência de confissão formal e na insuficiência da medida frente à imputação de tráfico de drogas e sua aderência aos crimes hediondos por equiparação. Porém, o relator observou que o réu confessou, sim, o crime em sede policial. 

"No que se refere à equiparação aos crimes hediondos, anoto que o legislador não estabeleceu tal impedimento. Aliás, a vedação expressa voltou-se para os crimes cometidos em contexto de violência doméstica. A ausência de vedação poderia levar à conclusão de que as vias negociadas não seriam cabíveis. O que não está proibido, estaria permitido", pontuou Zilli.

Para ele, a hipótese dos autos não torna "absolutamente improvável" a configuração do tráfico privilegiado e, com ele, o afastamento do rótulo de crime hediondo, conforme jurisprudência dos tribunais superiores. Dessa forma, segundo o magistrado, o uso da via negociada seria, a princípio, cabível diante das perspectivas concretas de realização do poder punitivo.

"No caso em apreço, o acusado é primário e não registra antecedentes criminais. A quantidade e a natureza da droga não indicam maior reprovabilidade. Não há qualquer menção no corpo da denúncia ao envolvimento do acusado em atividades ilícitas ou em organizações criminosas. Nessa perspectiva, a possibilidade de configuração do privilégio assume contornos de probabilidade", completou.

Segundo o desembargador, não se trata de interferência indevida nos poderes reservados ao órgão acusador: "Na delimitação da política de enfrentamento de drogas, o legislador distinguiu a figura do tráfico em sua forma fundamental e o tráfico privilegiado. Os regimes punitivos são sensivelmente diversos. Cabe a todos os agentes persecutórios sensibilidade para com os padrões estabelecidos em lei e sobre os quais não há margem de apreciação".

Assim, diante da possibilidade de enquadrar a conduta do réu como tráfico privilegiado, Zilli considerou injustificada a recusa de propositura do ANPP, mantendo a rejeição da denúncia diante da ausência de interesse de agir. "A solução, repita-se, é consentânea com os espaços de liberdade desenhados no Estado de Direito que a todos recai. Prestigia-se, destarte, a solução processual desenhada", finalizou.

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0000781-42.2021.8.26.0695

Por Tábata Viapiana
Fonte: Conjur

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