Neste brevíssimo ensaio vamos pontuar, no que diz respeito à União Estável feita em Cartório, alguns dos fatos mais comuns que podem ser considerados MITO e VERDADE, rogando desde já que os interessados se aprofundem no tema (já que meu objetivo sempre vai ser encaminhar você à leitura!!!). Vamos lá:
1. SOMENTE A UNIÃO ESTÁVEL FEITA EM CARTÓRIO, POR ESCRITURA PÚBLICA, PODE SER RECONHECIDA POR LEI - MITO: a Lei não exige em qualquer momento ESCRITURA PÚBLICA para que o relacionamento de União Estável seja reconhecido. Basta a leitura do art. 1.723 do CCB para ver que tal formalidade não está dentro dos requisitos reclamados por Lei ("convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família"). O que de fato está a Lei fala, quando fala em DOCUMENTO é o CONTRATO ESCRITO (art. 1.725) e mesmo assim não exige que seja por ESCRITURA PÚBLICA (ou seja, pode ser sim por Instrumento Particular). Diante da possibilidade enorme de ser um documento mal feito, a recomendação é que seja feita por alguém que conheça do assunto e também que seja feito por ESCRITURA PÚBLICA já que sendo assim ela ficará eternizada no acervo do Cartório (ou seja, sumiu basta pedir uma Certidão (popularmente chamada de "segunda via") a qualquer momento.... e o Cartório tem que ter esse "original" sempre para possibilitar a expedição das certidões;
2. É POSSÍVEL ESCOLHER REGIMES DE BENS COMO A SEPARAÇÃO DE BENS, A COMUNHÃO TOTAL DE BENS ETC - VERDADE: ressalvada a hipótese onde a Lei impõe a SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (vide art. 1.641 do CCB) o casal poderá escolher qualquer um dos regimes que o Código Civil já oferece (separação de bens, comunhão total/universal de bens, comunhão parcial, participação final nos aquestos) e ainda CRIAR UM REGIME DE BENS misto, tal como acontece no Casamento;
3. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL TEM QUE SER FEITA NO CARTÓRIO DO DOMICÍLIO DO CASAL - MITO: a Lei não faz essa exigência em qualquer momento. Sendo feita por ESCRITURA PÚBLICA são atraídas as regras do art. 8º da Lei de Notários e Registradores ("Art. 8º É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio"), dessa forma - para o bem e para o mal - ela pode ser feita em QUALQUER CARTÓRIO DE NOTAS. Como não há qualquer sistema que controle e interligue a realização de Escrituras de União Estável em diversos Cartórios / Estados (e também pela possibilidade de ser feito por Instrumento Particular, o que esvaziaria suposta eficiência de um sistema interligando) isso também pode ser um problema;
4. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL PODE SER FEITA INTEIRAMENTE ON-LINE, SEM PRECISAR IR AO CARTÓRIO - VERDADE: especialmente no momento de PANDEMIA que vivemos passou a ser possível a realização de diversos atos notariais e registrais pela via eletrônica. Coube ao CNJ a tarefa de normatizar isso através do PROVIMENTO CNJ 100/2020 (que suplico desde já que os colegas LEIAM pois é muito bacana). Aqui cabe uma observação: para a realização de atos pelo formato eletrônico deverão ser observadas as regras dos arts. 19 e seguintes do provimento para fins de TERRITORIALIDADE (isso também já causou e pode estar causando muita dor de cabeça entre os colegas cartorários...);
5. É OBRIGATÓRIO ADVOGADO PARA A REALIZAÇÃO DA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL - MITO: pouquíssimas vezes enquanto Cartorário eu vi um casal vir ao Cartório acompanhado de Advogado para realizar a Escritura Declaratória de União Estável. É preciso considerar que não é obrigatória a presença mas ela também não é PROIBIDA: sim, orientação jurídica nunca é demais. Vejo como o contexto ideal quando o casal realiza o ato (com a presença ou não) do Advogado mas através de ESCRITURA PÚBLICA feita em Cartório com base em MINUTA preparada pelo Advogado, conhecendo este os detalhes e objetivos do Casal;
6. OBTER UMA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL É UM PROCEDIMENTO CARO, BUROCRÁTICO E DEMORADO - MITO: um dos atos notariais mais céleres e dinâmicos que existe é a lavratura da Escritura de União Estável. O Cartório geralmente já tem uma minuta pronta (lamentável usar "modelinhos" prontos mas costuma ajudar em muitos casos: o ideal é o casal fazer um documento voltado para os detalhes do casal e suas necessidades específicas). A Escritura fica pronta em MINUTOS. Claro que é preciso considerar as peculiaridades do Cartório e outros pontos, mas não é nem de longe um ATO COMPLEXO como um Inventário, Usucapião, Compra e Venda, Usufruto etc. Não é CARO pois é tecnicamente o que se chama de uma "Escritura sem valor declarado" já que não há transação imobiliária etc. A cobrança como em qualquer outro ato notarial é regrada por normas ESTADUAIS, então variará conforme o Estado. CONSULTE SEMPRE O TABELIONATO ANTES!
7. SÓ CONSIGO FAZER A ESCRITURA SE EU FOR SOLTEIRO OU DIVORCIADO. CASADO SEPARADO DE FATO NÃO PODE - MITO: a Lei permite expressamente (art. 1.723, § 1º do CCB) que a UNIÃO ESTÁVEL se configure mesmo se algum deles (ou os dois) ainda for casado porém SEPARADO DE FATO (e basta uma declaração para isso, sem qualquer comprovação. A palavra das partes tem valor e o Tabelião não deve e nem pode, nesse caso, realizar "investigações". Ele registra a declaração das partes apenas, que ali estiveram naquele dia e na sua presença disseram aquilo tudo, SOB AS PENAS DA LEI). Nessa hipótese de separados de fato só não recomendo a possibilidade de adoção de regime de bens com comunhão (para evitar confusão patrimonial. Imagine-se um separado de fato adotando a comunhão universal.... esquece!);
8. POSSO MUDAR MEU NOME ACRESCENTANDO SOBRENOME DO MEU COMPANHEIRO ATRAVÉS DA UNIÃO ESTÁVEL - VERDADE: muita gente não sabe mas a modificação do nome é possível e há decisões do STJ sedimentando essa possibilidade (vide REsp 1306196/MG e REsp 1206656/GO, por exemplo);
9. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL ME GARANTE TODOS OS DIREITOS DE PESSOA CASADA (PARTILHA, HERANÇA ETC) - MITO: não é certo dizer que a ESCRITURA garante. Quem garante é a configuração da União Estável através da reunião dos requisitos que a Lei exige. A Escritura é um importante instrumento que JUNTAMENTE COM AS DEMAIS PROVAS vai robustecer o conjunto probatório para configurar a União Estável e o casal precisa saber disso. ORA, o Instrumento isoladamente não configura e nem poderia. Lembre-se que a União Estável já foi chamada de "União Livre" em comparação ao casamento e com toda razão já que ela diferencia-se do casamento pela ausência de formalidades... o melhor conselho para quem vive em União Estável é sim cuidar das provas pois elas serão necessárias para a comprovação da sua configuração e através disso garantir que os direitos dela decorrente sejam usufruídos;
10. NÃO POSSO FAZER UNIÃO ESTÁVEL EM CARTÓRIO SE TIVER FILHOS MENORES - MITO: é plenamente possível fazer Escritura de União Estável em Cartório mesmo com filhos menores do casal. Observe-se que na hipótese estamos FAZENDO - e não DESFAZENDO - uma União. Sempre recomendei nesses casos que o casal juntasse no dossiê, além dos documentos de identificação e comprobatórios dos fatos, as Certidões de Nascimentos dos filhos, no caso. RECOMENDAÇÃO e não obrigatoriedade;
11. POSSO ALTERAR A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL EM CARTÓRIO - VERDADE: infelizmente tivemos alguns casos onde os juízes não autorizavam a alteração utilizando-se ANALOGIA para aplicar (a restrição!!!) do que ocorre com a alteração do regime de bens em Casamento. Vejo como um equívoco já que não podemos aplicar restrição por analogia... é regra basilar de direito. De toda forma, basta pensar: se não posso alterar, então vou dissolver e fazer outro com as modificações pretendidas - ou seja - acaba-se com isso obrigando o casal a simular uma dissolução, ter mais trabalho e gasto de tempo e dinheiro para chegar no mesmo objetivo... um desserviço;
12. POSSO REGISTRAR MINHA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL NO MEU REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO E NO REGISTRO DE IMÓVEIS - VERDADE: muita gente também não sabe e desconhece o PROVIMENTO CNJ 37/2014 que tem a seguinte ementa: "Dispõe sobre o registro de união estável, no Livro E, por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais". ORA, é plenamente possível o registro. No Registro de Imóveis também é possível. No Rio de Janeiro a possibilidade está regulada pelo PROVIMENTO CGJ 03/2019. Aqui cabe ponderar sobre o ponto seguinte:
13. SÓ A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL ME PERMITE CONVERTER UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO - MITO: novamente não é o título (Escritura) que vai permitir ou não a Conversão da União Estável em Casamento. A Lei permite expressamente aos interessados (já que não se trata de obrigatoriedade mas sim facultatividade) a conversão da União Estável em Casamento. Isso pode ser feito tanto JUDICIALMENTE quanto EXTRAJUDICIALMENTE (vide o precedente do TJRJ - AgInst 0038080-09.2015.8.19.0000). No Rio de Janeiro o Código de Normas regula expressamente o procedimento EXTRAJUDICIAL de conversão nos artigos 783 e seguintes;
14. PARA A DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL A PRESENÇA DE ADVOGADO É OBRIGATÓRIA - VERDADE: a regra está estatuída no art. 733 e seguintes do CPC/2015 e de fato aqui, diferentemente da Escritura DECLARATÓRIA de União Estável, a presença do Advogado é obrigatória e requisito de Lei. NUNCA É DEMAIS LEMBRAR QUE O CARTÓRIO NÃO PODE INDICAR ADVOGADO E NEM FORNECER ADVOGADO para o ato. As partes devem procurar e trazer seu profissional de confiança ou mesmo o Defensor Público;
15. POSSO FAZER ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM - VERDADE: embora muitos cartórios torçam o nariz para fazer essa Escritura (e como já falei aqui, fazer cara feia ou torcer o nariz não resolve. Se é possível fazer e os requisitos foram prenchidos o Cartório TEM QUE FAZER, sob pena de responsabilização) ela é plenamente possível. Aqui no Rio de Janeiro temos desde 2014 um Parecer da CGJ/RJ deixando claro sobre a possibilidade. Vale a consulta (Parecer SN84/2014 referente ao Processo 2013-204757);
16. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL PODE SER FEITA COM DATA RETROATIVA - MITO: nenhum ato notarial (Escritura, Procuração, Reconhecimento de Firma etc) pode ser feito com data retroativa. Quando o cidadão vai até o Cartório e pede um reconhecimento de firma, por exemplo, ele é praticado com a data em que de fato o preposto realiza o ato (e cola a etiquetinha de reconhecimento, se esse for o caso). Da mesma forma uma Escritura Pública (seja ela de União Estável ou não): ela vai "sair" com a data do dia em que o ato foi praticado, selado e assinado - PORÉM - nada impede que sejam declarados no documento que o casal vive em União Estável há cinco anos, dez anos etc. IMPORTANTE ressaltar que os efeitos não vão retroagir já que o CONTRATO ESCRITO (aqui sob a forma pública, então) só passou a existir a partir da lavratura. No caso da adoção do regime da Comunhão Universal de Bens, por conta da particularidade deste regime (que tem a retroação de efeitos como característica, na forma da Lei) há sim retroação de efeitos para garantir meação sobre bens anteriores (vide REsp 1459597/SC). CUIDADO com a Comunhão Universal...
Existem muitos outros pontos peculiares e importantes sobre a UNIÃO ESTÁVEL e eu poderia falar deles aqui, mas por ora entendemos cabível para a proposta de um post rápido os pontos acima destacados e, desde já fica o convite para você acompanhar nosso conteúdo em nosso site e redes sociais, onde falamos desses e outros assuntos do apaixonante EXTRAJUDICIAL!
______________________________________
Por Julio Martins
Fonte: www.juliomartins.net
Postar um comentário
Agradecemos pelo seu comentário!