O Código de Defesa do Consumidor não privilegia a defesa do consumidor em detrimento do fornecedor!

Recentemente, no meu instagram (@caiodeluccas.adv), onde compartilho questões práticas consumeristas diariamente com milhares de seguidores, me deparei com o seguinte comentário: “Deveria existir um CDE, Código de Defesa do Empresário! Somos sempre tratados como culpados, e os consumidores, como inocentes. Isso não é justo!”. Frente a tal posicionamento (que antecipo-me com total reprovação), resolvi tecer tecnicamente motivos pelos quais a referida opinião não pactua-se com os motivos de existência do Código de Defesa do Consumidor.

Inicialmente, é importante reconhecermos que a proteção do consumidor é tida como direito fundamental, prevista no Art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal. Será mesmo que a vulnerabilidade reconhecida em cláusulas pétreas seriam meramente hipotéticas?

Para que a fragilidade de um consumidor seja reconhecida, basta você tentar cancelar um plano de telefone celular e permanecer horas e mais horas aguardando; basta realizar uma compra na internet e não receber o produto, bem como não ter nenhum retorno da loja; é financiar um veículo em inúmeras parcelas e esse nunca sair da garagem, frente ao vício oculto; é ser vítima de um golpe bancário e perder toda a sua economia de anos em minutos; é comprar uma viagem e essa ser cancelada na véspera, sem nenhuma justificativa; é ter seu nome negativado indevidamente; é não conseguir utilizar seu plano médico quando mais se precisa dele. Dentre outros inúmeros exemplos.

Todavia, se você, caro leitor(a), for uma pessoa de sorte e nunca passou por essa situação, compreenderemos. A seguir, a necessidade da proteção do consumidor.

É importante adentrarmos sucintamente no contexto histórico, o qual sabemos que na data de 15 de março é Comemorado o Dia Mundial dos Direitos dos Consumidores. Você pode se questionar: mas porquê dia 15 de março? Tal data marcou o discurso do então Presidente Americano John Kennedy ao Congresso Americano em 15 de março de 1992, o qual defendeu a necessidade de proteção do consumidor através dos direitos básicos à segurança, informação, escolha e de ser ouvido, e declarou: “Consumidores somos todos nós”.

Portanto, desde 1962, a nível mundial, já se tinha a concepção da importância da figura do consumidor. Muitos fornecedores que defendem o “excesso” de proteção do consumidor esquecem-se que também são consumidores em suas vidas particulares e até mesmo empresarial. Sim, fornecedor, você poderá ser considerado empresário-consumidor e valer-se do Código de Defesa do Consumidor, vide a chamada Teoria Finalista Mitigada acrescida do Art. 2º do CDC, o qual reconhece a possibilidade do empresário-consumidor: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Mas por que a proteção do consumidor é tão necessária? É simples responder tal indagação. O consumidor é a base de qualquer economia de um País. Pense na logística comercial, Fabricante > Importador > Comerciante > Consumidor. Se esse último deixa de adquirir produtos ou contratar serviços, toda a cadeia comercial é desfeita! Nota-se que esses são os efeitos diretos mas, indiretamente, a figura do consumidor é de extrema importância no que tange a geração de empregos e recolhimentos de tributos ao Estado. Afinal, conforme sabemos, toda transação financeira é cobrado impostos, os quais são direcionados ao Estado. Portanto, se não houver a proteção da figura mais importante da relação (Consumidor), todo o resto deixa de existir. Simples assim!

Sobre o diploma consumerista propriamente dito, a defesa do consumidor não é incompatível com a livre iniciativa empresarial e o crescimento econômico. Nesse sentido, o empresário tem assegurado o livre exercício da atividade econômica, desde de que assegure o direito do consumidor. Como exemplo, o empresário poderá elaborar contrato de adesão, estipulando as cláusulas contratuais, que bem entender, poderá lançar no mercado de consumo qualquer produto ou serviço, dentre outros inúmeros exemplos relacionados à liberdade da iniciativa empresarial. Logo, a regra é clara: “fornecedor que respeita o Código de Defesa do Consumidor não enfrenta nenhum problema”.

A legislação consumerista além de ser considerada como um microssistema jurídico, caracteriza-se como legislação principiológica, o qual destaca-se o princípio da Harmonização dos Interesses, Princípio do Equilíbrio nas Relações de Consumo. Logo, verifica-se que tais princípios buscam igualar as responsabilidades entre consumidores e fornecedores. Portanto, nunca se buscou privilegiar uma parte em detrimento de outra. Nunca foi e nunca será o motivo de existência da lei, mas sim busca-se igualar tamanha desproporcionalidade entre consumidores e fornecedores.

Em uma relação jurídica, o fornecedor é detentor do conhecimento técnico (o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço) jurídica (o consumidor não possui conhecimentos jurídicos) socioeconômica (posição de supremacia) e informacional (decorre da vulnerabilidade técnica) do produto ou serviço podendo, assim, impor sua vontade ante ao despreparo do consumidor. Ou seja, as escolhas de consumo feitas pelo consumidor não são livres, mas direcionadas pelos fornecedores. Tomemos como exemplo a assinatura de um contrato de adesão: O fornecedor oportunizou a você, consumidor(a), a alterar alguma cláusula antes de assinar? Acredito que não.

Portanto, seja você consumidor, pessoa física ou jurídica, quando opinar que o Código de Defesa do consumidor defende em “excesso”, tome cuidado, pois você poderá ser o próximo a precisar desse “excesso” de defesa. Afinal, desde 1962 já se reconhecia que consumidores somos todos nós!

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Caio de Luccas (@caiodeluccas.adv) é associado ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado de São Paulo; é Advogado e Professor, pós graduado e especialista em Direito do Consumidor, com atuação exclusividade neste ramo do Direito.

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