Funcionários do Mercado Livre tiveram que continuar trabalhando após colega m0rr3r no galpão

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Via @theinterceptbrasilALERTA DE GATILHO: Esta reportagem trata de suicídio e seguiu o manual da Organização Mundial da Saúde para o tema. Ainda assim, trata-se de um tema sensível. Se você precisa de ajuda, no Brasil, o CVV tem voluntários disponíveis 24h por dia para oferecer apoio por chat ou pelo telefone 188. Conheça também o mapasaudemental.com.br – atendimentos agendados com psicólogos ou psiquiatras, gratuitamente.

O MERCADO LIVRE se gaba de ter a entrega mais rápida do Brasil. Você compra um produto de manhã pelo site e no fim do dia ele estará na sua porta. Parece mágica, mas é o suor de centenas de trabalhadores que relatam sofrer com metas abusivas, assédio moral, calor extremo e condições de trabalho desumanas nos centros de distribuição da empresa. Luiz Felipe Dominicalli era um deles – até morrer por suicídio dentro do galpão em 19 de fevereiro.

Por quase nove meses, Luiz Felipe trabalhou recebendo e destinando pacotes para embalagem em um centro de distribuição em Cajamar, na grande São Paulo. Funcionário de uma agência terceirizada pelo Mercado Livre, ele postou em redes sociais que sonhava em ser efetivado e vestir a camisa da empresa que tanto amava – com a promoção, Luiz literalmente deixaria de usar uma camiseta cinza e ganharia uma camiseta amarela, símbolo de distinção entre terceirizados e efetivos. Mas isso nunca aconteceu.

Apesar de, segundo colegas, ter recebido informações de que seria efetivado, Luiz Felipe foi demitido na segunda-feira, 19. Após sair da sala do RH, o trabalhador morreu por suicídio dentro do galpão.

A morte de Luiz Felipe foi postada por colegas nas redes sociais na semana passada. Ao Intercept, o Mercado Livre afirmou que expressa um “profundo pesar” pelo falecimento do colaborador, que “atentou contra a própria vida (…) logo após receber a notícia de que seu contrato de trabalho temporário não seria prorrogado”. 

Segundo o Mercado Livre, Luiz Felipe foi atendido “em menos de um minuto” por bombeiros e socorristas e sua remoção aconteceu ainda com vida, em menos de seis minutos. Segundo a empresa, Luiz Felipe faleceu apenas após atendimento na UPA mais próxima do local. Mas pessoas ouvidas pelo Intercept Brasil contam outra história.

Dois ex-funcionários ouvidos sob anonimato afirmam que o jovem morreu ainda na empresa e que a área foi cercada por uma lona – lá, eles dizem, o corpo permaneceu por alguns minutos, enquanto os demais funcionários seguiam trabalhando. Ambos afirmam, também, que o local de entrada e saída dos trabalhadores, próximo a onde estava o corpo, foi desviado para uma saída de emergência – assim ninguém teria de passar ao lado do corpo do jovem.

As afirmações são corroboradas por um atual funcionário, também ouvido sob anonimato. Ele diz ter visto o corpo caído no chão antes de  ser removido por uma ambulância, e é categórico ao afirmar que Luiz Felipe morreu ainda na empresa. O funcionário também forneceu ao Intercept uma foto do local onde o corpo ficou caído: logo em frente às catracas de entrada da empresa, em frente a uma escadaria preta.

Funcionários que passaram mal foram liberados para irem embora. O restante seguiu trabalhando normalmente.

Trabalhadores que passaram mal ou estavam chorando foram liberados para irem embora, o funcionário ouvido relatou. O restante da empresa seguiu trabalhando normalmente. Os advogados da família de Luiz Felipe afirmam que os familiares só ficaram sabendo da morte às 22h, mais de quatro horas após o ocorrido, por meio da advogada da empresa.

O Mercado Livre afirma que uma perícia foi realizada no local, que permaneceu isolado, e a empresa e a Randstand estão colaborando com as investigações e mantendo contato e suporte integral aos familiares.

Os advogados da família de Luiz Felipe afirmaram que os parentes preferem esperar o desdobramento das investigações para se pronunciar. A delegacia de Cajamar ainda não abriu um inquérito para apurar os fatos e a unidade de atendimento que recebeu Luiz Felipe não disponibilizou informações sobre o seu estado quando chegou ao local. 

Segundo o Sindicato dos Empregados do Comércio de Franco da Rocha e Região, Luiz Felipe “vinha sofrendo grave pressão psicológica por parte de seus superiores”. O órgão encaminhou um pedido ao Ministério Público do Trabalho de São Paulo e ao Ministério do Trabalho e Emprego para investigar ocorrências de assédio moral na empresa. O Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do estado de São Paulo também afirmou que denunciará o caso, assim como outros relatos que emergiram após o ocorrido, ao MPT.

Perguntamos ao Mercado Livre se a operação do galpão foi interrompida após o ocorrido, se forneceu algum apoio à família e se a empresa possui ferramentas de denúncia de assédio moral e más condições de trabalho. Essas perguntas a empresa não respondeu.  Os mesmos questionamentos foram feitos à terceirizada Randstad, que respondeu lamentar a morte de Luiz Felipe, estar prestando apoio à família e apoiar a apuração do caso pelas autoridades competentes.

‘Ele não via a hora de vestir a camisa’

Nas redes sociais, centenas de comentários de pessoas que trabalharam nos centros de distribuição do Mercado Livre descrevem o ambiente como péssimo. Muitos afirmam que há exploração e que, para a empresa, os trabalhadores são apenas números que podem ser substituídos.

De maneira anedótica, uma ex-funcionária ouvida conta que perguntou aos líderes se o Mercado Livre não poderia colocar ar-condicionado nos galpões, porque assim as pessoas trabalhariam melhor. “O galpão da Amazon tem”, ela teria argumentado. O chefe desconversou, ela conta, contra-argumentando que “a Amazon é americana, eles podem”.

Nem isso, ela reitera, fez Luiz Felipe gostar menos de estar lá. “Ele amava aquela empresa, ele falava de boca cheia que o Mercado Livre era a melhor oportunidade dele”, ela diz. “Ele não via a hora de vestir a camisa do Mercado Livre”.

A meta é de 120 entregas por hora, duas por minuto.

A ex-funcionária, que trabalhou três vezes para o Mercado Livre, diz que só faz isso por necessidade, porque o ambiente de trabalho é insalubre. Ela trabalhava no picking – setor que coleta produtos que devem ser distribuídos e passa o dia correndo pelos corredores. 

Além do calor extremo, a ponto de fazer as pessoas desistirem do trabalho, ela diz que os chefes gritam constantemente no ouvido dos funcionários, pressionando por mais trabalho. A meta é de 120 entregas por hora, duas por minuto. “Não tem como trabalhar no Mercado Livre. Ali não é fácil, ali as pessoas têm que dar o sangue”, ela diz. Depois de se esforçar, ela ressalta, é preciso torcer para que você não seja demitido: “tem gente que trabalha três dias e é demitido porque não bate a meta”.

Enquanto isso, o Mercado Livre está em crescimento exponencial. Segunda empresa mais valiosa da América Latina, a plataforma viu seu lucro líquido dobrar entre 2022 e 2023 e afirma começar 2024 “muito forte”, de acordo com o diretor de relações com investidores da empresa.

Neste ano, a empresa já virou notícia por comprar os naming rights do Estádio do Pacaembu, que passará a se chamar Mercado Livre Arena. O custo da transação? R$ 1 bilhão. A empresa também é uma das principais patrocinadoras da atual edição do Big Brother Brasil. 

Apesar de ter um de seus trunfos no sistema de logística que exaure trabalhadores, seu diretor afirmou em entrevista que a “vantagem competitiva” da empresa vem da área de tecnologia, onde o Mercado Livre seguirá fazendo seus maiores investimentos. A área de logística, ele contou, também crescerá, mas apenas o necessário para acompanhar o aumento no volume de compras – a isso, ele não se referiu como investimento, mas como gasto.

Vista área do galpão do Centro de Distribuição do Mercado Livre, em Cajamar, região metropolitana de São Paulo. Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

‘É uma mensagem de que algo ali era sério’

Nas redes sociais, Luiz Felipe demonstrava ter orgulho e dedicação por trabalhar na empresa, o que seus colegas confirmam. Uma ex-funcionária que teve contato próximo diz que Luiz Felipe era dedicado e reconhecido pelos seus superiores. Ela questiona a falta de apoio: “se havia problemas psicológicos, por que não houve suporte? Estão responsabilizando a vítima por um comportamento nocivo da empresa”.

Cada morte por suicídio tem um gatilho específico. São os “fatores precipitantes”: episódios de estresse ou humilhação, demissão, separação ou a perda de um ente querido. No entanto, a maioria das pessoas que passa por situações difíceis não morre por suicídio. 

‘Se havia problemas psicológicos, por que não houve suporte?’

Quem tira a própria vida já atravessa condições que estão como pano de fundo, sobretudo de saúde mental. Além disso, pode haver influência da genética, do tipo de rede de apoio e do contexto econômico, por exemplo. O suicídio nunca acontece por uma causa só. Por isso, os especialistas no tema frisam que os fatores são múltiplos.

Para Karen Scavacini, doutora em psicologia, fundadora do Mapa da Saúde Mental e representante do Brasil na Associação Internacional de Prevenção do Suicídio, a morte no ambiente de trabalho é um ponto de atenção. “É uma mensagem de que algo ali era sério, era grave. Tem uma mensagem forte com relação ao local de trabalho e a forma que houve a demissão, ou a forma como ele se relacionava com o trabalho, sem dúvida nenhuma”, ela analisa.

A psicóloga esclarece que não é possível determinar causas concretas, e depois de um caso como esse é preciso ter cautela com especulação. Ainda assim, ela afirma, existem medidas palpáveis que podem ser tomadas pela empresa e colaboradores. Acolher funcionários  vulneráveis e proporcionar um ambiente seguro psicologicamente são alguns exemplos, segundo a psicóloga. 

A sensibilização de gestores e líderes com relação a questões de saúde mental também é importante, ela explica – caso contrário, funcionários irão tentar esconder pontos sensíveis por medo de represálias. Scavacini também aponta que pausas, direito a descanso e um ambiente de trabalho salubre precisam ser levadas em consideração. 
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**No Brasil, o Centro de Valorização à Vida, o CVV, trabalha com apoio emocional e prevenção ao suicídio. O canal de atendimento é gratuito, funciona 24 horas todos os dias, pelo telefone 188 ou por chat. O serviço é prestado por voluntários e garante o anonimato. Veja também o Mapa Saúde Mental – atendimentos agendados com psicólogos ou psiquiatras, gratuitamente ou a preços populares.

Se você conhece alguém ou é uma pessoa que precisa de algum apoio emocional neste momento, acesse e divulgue os canais.

Paulo Victor Ribeiro
Colaborou: Juliana Dantas
Fonte: @theinterceptbrasil

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