“Passei quase dois anos preso, convivendo com a violência explícita e silenciosa que só o ambiente insalubre do cárcere é capaz de revelar. Vi mortes acontecerem, conheci todo tipo de pessoa e, compulsivamente, refleti sobre tudo o que havia acontecido comigo, com as vítimas e com as duas famílias envolvidas.”
Durante o período de reclusão, Diego enfrentou uma realidade brutal, que o colocou diante de perdas, injustiças e reflexões profundas. “Muitas vezes perdi a esperança de que pudesse haver algum propósito depois de tamanha dor, mas algo dentro de mim sempre teimou em manter viva a fé.”
A dor compartilhada
Filho único e de origem simples, ele lembra do sacrifício da mãe, técnica de enfermagem, que nunca deixou de apoiá-lo. “Durante o tempo em que estive encarcerado, vi minha mãe virar noites em plantões exaustivos para custear advogados e levar, religiosamente, as sacolas com alimentos à prisão.”
Para Diego, o sistema prisional castiga além do apenado. “Se existe um inferno na Terra, certamente é a cadeia. A privação de liberdade de quem comete um delito afeta não apenas o apenado, mas todos ao seu redor. Não é incomum que muitos, ali dentro, percam todos os seus laços de afeto, uma realidade que tive a infelicidade de presenciar ao lado de companheiros de cela, literalmente abandonados à própria sorte.”
Reconstrução após a liberdade
Ao conquistar novamente a liberdade, enfrentou o estigma de ser ex-detento. “Voltei a trabalhar, enfrentando olhares de preconceito e as restrições que, infelizmente, fazem parte da realidade de quem carrega esse estigma.”
Foi nesse percurso que formou sua família. Mas o destino ainda lhe impôs outra dor. “Quando achei que já havia passado pelas maiores dores da vida, enfrentei o luto pela perda da minha filha Mariana, que tinha apenas um ano e dois meses. Hoje sei, com absoluta certeza, o que significa perder, para sempre, um grande amor.”
Da reclusão à advocacia
Apesar de tudo, Diego concluiu o curso de Direito e foi aprovado no exame da OAB. “Comecei a advogar com o objetivo de atuar com a sensibilidade de quem já viveu na pele a dura experiência da reclusão, defendendo aqueles que, mesmo tendo cometido erros, possuem o direito de uma defesa justa e de que suas penas sejam aplicadas e cumpridas dentro dos limites legais.”
Sua primeira experiência como advogado ocorreu no Patronato da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), onde foi aprovado em processo seletivo. Lá, atendeu egressos do sistema prisional e coordenou o Projeto Blitz. “Era uma iniciativa voltada para pessoas que haviam cometido crimes de trânsito e que, como parte do processo de reeducação, participavam de um ciclo de oito encontros sobre conscientização e mudança de comportamento no trânsito. No encerramento do programa, eu compartilhava minha própria trajetória de vida, com o objetivo de transmitir uma mensagem sincera sobre a importância da reflexão e da transformação de conduta.”
Justiça além do julgamento
Para Diego, a sociedade atual tem se afastado da essência da justiça. “A sociedade, cada vez mais marcada por julgamentos indiscriminados e superficiais nas redes sociais, precisa de menos condenações precipitadas e mais de justiça social, oportunidades reais de reabilitação e acolhimento. Esse é, a meu ver, o caminho mais eficaz para conter o avanço da criminalidade e preservar a segurança, a dignidade e a integridade de todos os cidadãos.”
Durante os últimos dez anos de advocacia, ele atuou em mais de 30 processos no Tribunal do Júri e em mais de 1.000 processos distribuídos por comarcas do Paraná, Santa Catarina e São Paulo. “Tenho plena convicção de que cada uma dessas experiências foi parte de um plano divino, que me fortaleceu, me amadureceu e, acima de tudo, me preparou para assumir, com responsabilidade e coragem, a defesa da minha própria causa.”
A defesa de si mesmo
Em 14 de janeiro de 2010, no primeiro júri a que foi submetido, Diego foi condenado a 16 anos e 4 meses de reclusão em regime fechado. “Contudo, esse julgamento foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, com o entendimento de que a qualificadora da surpresa não é compatível com o dolo eventual.”
Em novembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a anulação. Diante da nova oportunidade no banco dos réus, ele fez uma escolha pouco comum: advogou em causa própria. “Embora raro, entendi que estava preparado e, sem falsa modéstia, não haveria profissional melhor do que eu para expor a minha versão dos fatos.”
Sua tese da clemência foi acolhida pela maioria dos jurados. “Foi, sem dúvida, a experiência profissional mais intensa e o momento que mais exigiu controle emocional de mim. Depois de 17 anos do acidente, posso afirmar que foi o maior ato de coragem da minha vida.”
Um novo propósito
“Não posso dizer que me sinto feliz. Em uma tragédia dessa dimensão, ninguém sai vencedor. Tenho profundo respeito pelo sofrimento das famílias das vítimas.”
Ainda assim, ele transformou a dor em missão. “A carga dessa história me acompanhará todos os dias da minha vida. Porém, decidi que precisava transformar toda essa dor em algo que pudesse gerar aprendizado e contribuição para os outros.”
Hoje, Diego Lichevitch (@diegopereiradv) segue sua missão ao lado do filho, da família e de amigos que permaneceram ao seu lado. “Exerço minha profissão para ajudar quem precisa. Não tenho a pretensão de ser exemplo de nada, considerando os erros que cometi e assumi. Mas espero que minha trajetória possa inspirar quem esteja passando por grandes desafios, mostrando que, com paciência e determinação, é possível assumir a responsabilidade pelas escolhas e construir uma nova história, pautada pelo serviço que vai além da nossa própria vida.”
Postar um comentário
Agradecemos pelo seu comentário!