Segundo a denúncia, a vítima estava de mudança para o condomínio, mas notou um vazamento em seu apartamento, com origem no apartamento do réu. Os dois se desentenderam quanto ao pagamento dos consertos e ao barulho causado pelas obras.
Durante uma conversa com a empreiteira sobre a reforma, o acusado teria proferido ofensa racial, que não ficou comprovada no processo. Sete meses depois desse episódio, após uma assembleia do condomínio, o réu abordou os representantes da administradora do local para cobrar multas contra o vizinho.
Ao saber das supostas ofensas, a vítima representou contra o vizinho. Em 2023, foi declarada a extinção da punibilidade do acusado pelo primeiro episódio, devido ao excesso de prazo. Mas a denúncia foi recebida com relação ao segundo ocorrido, mais recente.
Em sua defesa, o réu alegou que o vizinho desrespeitava os horários de reforma. Também contou que negou um pedido da vítima para quebrar seu banheiro e, em seguida, foi chamado de “velho maluco”.
Segundo ele, o vizinho ainda ameaçou contratar uma banda para tocar em alto volume, tentou agredi-lo durante uma assembleia, pichou a porta de seu apartamento e espalhou um pó branco e tinta vermelha no local por meio de um orifício no banheiro.
Sentença
A 32ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda, em São Paulo, absolveu o réu por falta de provas. Para a juíza Juliana Guelfi, o crime de injúria racial perde o dolo específico quando cometido “no calor de discussões”. Assim, torna-se apenas “mero destempero verbal”. Além disso, não houve comprovação material do delito.
Segundo ela, o réu extravasou depois de uma “longa, desgastante e excruciante relação de vizinhança, qualificada pela falta de respeito e educação dos envolvidos”.
A magistrada constatou que o réu notificou o vizinho de forma extrajudicial pelos desacertos quanto às obras. Em retaliação, foi chamado de “velho”, “maluco” e “cuzão”. O vizinho ainda disse que “o bicho vai pegar”. O desentendimento se estendeu ao grupo de WhatsApp dos moradores do condomínio.
“A vítima extrapolou os limites de convivência harmônica em um condomínio, xingando e até provocando o réu”, disse.
A juíza ainda apontou que o boletim de ocorrência por injúria racial só foi registrado um dia após o réu registrar BO contra o vizinho por suposta invasão de seu apartamento. Tudo isso aconteceu três meses após o segundo episódio denunciado.
“O lapso de tempo transcorrido desde os supostos fatos, até o momento da formalização da ocorrência, sobretudo em se considerando os incidentes havidos acima referidos, leva a crer que a vítima usa a justiça como um caráter de vingança, o que não se admite”, escreveu a juíza.
A juíza ainda apontou que a suposta injúria racial não constou na ata da assembleia e que o réu já havia se desentendido com uma das representantes da administradora do condomínio, testemunha no processo.
“Não se pode afirmar de maneira indene de dúvidas a imparcialidade do depoimento, o que se exigiria de uma testemunha equidistante das partes”, concluiu.
Tribunal
No TJ-SP, a juíza substituta Isaura Cristina Barreira, relatora do caso, manteve a sentença de forma integral e foi acompanhada por unanimidade.
Ela confirmou que os fatos ocorreram em um contexto “conturbado” e “de conflitos entre vítima e réu”, com troca de ofensas, mas reafirmou a absolvição por falta de provas. Também destacou que a vítima apenas registrou as supostas injúrias no dia seguinte ao boletim de ocorrência registrado pelo réu.
“Esse caso demonstra que por mais que se deva, sim, dar um maior peso à palavra da vítima em determinados delitos, isso não significa afastar o direito fundamental à presunção de inocência”, diz o advogado Fábio Dutra, que representou o réu.
“A palavra da vítima deve estar corroborada por outros elementos que, se não provem, pelo menos não apontem no sentido de uma dúvida relevante o bastante para impedir a condenação”, completa. “As pessoas esquecem, se enganam, são levadas a erro e eventualmente podem até mentir.”
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- Processo 1534029-80.2022.8.26.0050
José Higídio
Fonte: @consultor_juridico
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