As razões e requisitos do contrato de namoro, bem como sua distinção da união estável

razoes requisitos contrato namoro uniao estavel
bit.ly/3hbZVpL | INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem como escopo analisar de maneira breve e pontual a evolução do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro, posteriormente distinguir os conceitos de namoro, namoro qualificado e união estável e, por fim, demonstrar as razões e os interesses envolvidos na necessidade de se realizar um contrato de namoro, ressaltando o posicionamento doutrinário a respeito do tema.

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA

No ordenamento jurídico brasileiro, podemos afirmar que o instituto da família sofreu grande transformação ao longo do tempo. Conforme muito bem explica Cristiano Chaves de Farias toma-se como ponto de partida o modelo patriarcal, hierarquizado e transpessoal de família, decorrente das influências da Revolução Francesa sobre o Código Civil brasileiro de 1916. Naquela ambientação familiar, constituída unicamente pelo casamento, imperava a regra “até que a morte nos separe”, admitindo-se o sacrifício da felicidade pessoal dos membros da família em nome da manutenção do vínculo de casamento.

A evolução pela qual passou a família do século XX forçou diversas alterações legislativas, sendo as principais delas o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/1964) e a instituição do divórcio (Lei nº 6.515/1977).

Ao longo do tempo, com as transformações históricas, culturais e sociais, o direito da família passou a ter novos rumos, adaptando-se a sociedade contemporânea, mas foi em outubro de 1988, com a Constituição da Republica Federativa do Brasil, especificamente no art. 226, que efetivamente grandes mudanças de paradigmas ocorreram no Direito de Família, dentre elas o reconhecimento de novas entidades familiares, como a união estável (o casamento deixou de ser a única forma de constituir e legitimar a família), com intuito de proteger todos, sem preconceitos ou desigualdades.

Em janeiro de 2002 foi publicada a Lei nº 10.406, instituindo um novo Código Civil para o Brasil. No entanto, este texto normativo foi elaborado em 1975, e, portanto, trouxe a mentalidade e anseios daquela época, não conseguindo traduzir todas as concepções da atual família brasileira. O referido Código tramitou no Congresso Nacional antes de ser promulgada a Constituição Federal, em 1988, que introduziu diversos valores e princípios, dentre eles a dignidade da pessoa humana.

Conforme, Rodrigo da Cunha Pereira, o Código Civil de 2002 só se aproximará do ideal de justiça se estiver em consonância com uma hermenêutica constitucional e de acordo com os princípios gerais do Direito e também com os princípios específicos e particulares do Direito de Família.

Portanto, o atual Código Civil deve ser interpretado à luz dos princípios trazidos pela Carta Magna, havendo, pois, necessidade de uma constitucionalização do Direito Civil.

NAMORO QUALIFICADO VERSUS UNIÃO ESTÁVEL: A TÊNUE DIFERENÇA

Como dito anteriormente, a união estável foi encampada pela CRFB/1988 como entidade familiar.

As Leis nº 8.971/1994 e Lei nº 9.278/1996 regulamentaram a união estável, mas hoje deixaram de ser aplicadas.

Atualmente, os requisitos da união estão previstos no art. 1.723 do Código Civil, que dispõe: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". O STF, em interpretação conforme os valores Constitucionais reconheceu a existência de união estável, com entidade familiar, de pessoas do mesmo sexo – ADIn 4277/DF.

No citado art. 1.723 do Código Civil, existem elementos objetivo e subjetivo, mas para que haja configuração de união estável é imprescindível a junção de todos os elementos.

Os elementos objetivos são convivência: (i) pública, a relação mantida entre os companheiros deve ser de conhecimento da sociedade de que fazem parte, não pode ser um relacionamento mantido às escondidas, clandestino; (ii) contínua, a relação deve ser estável, sem intervalos significativos que descaracterizem a continuidade da mesma; (iii) duradoura, a relação que se mantém por certo espaço de tempo, não transitória.

A Lei nº 8.971/1994 que regulava o direito dos companheiros a alimentos e sucessão, fixava um prazo de 05 anos para a configuração da união.

Hoje não mais existe qualquer lapso temporal mínimo para sua constituição, mas os parceiros devem viver como se casados fossem, ou seja, deve haver assistência moral e material recíproca e irrestrita, além de esforço conjunto para realizar projetos em comum. No entanto, não se exige que residem juntos, sob o mesmo teto; como também o fato de morarem na mesma casa, por si só, não configura necessariamente união estável.

Além dos elementos objetivos é imprescindível, para que seja reconhecida a união estável, a presença do elemento subjetivo, qual seja a intenção de constituir família (affectio maritallis) com direitos e deveres pessoais e patrimoniais semelhantes aos que decorrem do casamento, o que deve ser ponderado em cada caso concreto.

O namoro, por sua vez, é uma expressão linguística que não foi regulada pela CRFB/88 e nem por leis infraconstitucionais, tendo o seu significado sido radicalmente alterado ao longo dos tempos, como muito bem observou Euclides de Oliveira:

“O namoro à moda antiga se fazia cauteloso e era até difícil chegar aos beijos e abraços, o que só acontecia depois de certo tempo de espera e da aprovação familiar (era comum o namoro incipiente no sofá da sala dos pais da moça, sob olhares críticos e vigilantes dos donos da casa). Hoje é

sabidamente mais aberta a relação, que logo se alteia para os carinhos mais ardentes e com boa margem de liberdade (fim de semana a sós, viagens, sexo quase declarado).”

De fato, é inegável que o namoro da atualidade é pautado por uma margem de liberdade muito maior, o que fez a doutrina dividi-lo em simples e qualificado.

O namoro simples é facilmente diferenciado da união estável, pois sequer apresenta um dos seus requisitos objetivos, por exemplo, pode ser às escondidas, sem compromisso, transitório ou com intervalos de tempo.

Já no namoro qualificado, em regra, os namorados viajam juntos, dormem juntos, comparecem a eventos sociais, podem coabitar, enfim demonstram para o meio social deles um relacionamento amoroso, sério, contínuo, duradouro, mas sem intenção de constituir família (animus interno), o que dificulta, na prática, a sua distinção da união estável, havendo uma linha muito tênue de diferenciação.

Essa sútil distinção é muito bem explicada pelo mestre Zeno Veloso:

“Nem sempre é fácil distinguir essa situação de outra, o namoro, que também se apresenta informalmente no meio social. Numa feição moderna, aberta, liberal, especialmente se entre pessoas, adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores (alguns bem sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas, o namoro implica, igualmente, convivência íntima - inclusive, sexual -, os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade, um relacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a situação pode se assemelhar - e muito - a uma união estável. Parece, mas não é! Pois falta um elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de" namoro qualificado ", os namorados por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem - ou ainda não querem - constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro - mesmo do tal namoro qualificado -, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo.”

Portanto, pode-se afirmar que a distinção dos institutos não é simples, pois existem namoros que configuram a convivência pública, contínua e duradoura entre os parceiros, porém para ambos não há intenção imediata da constituir família, de conviverem em comunhão de vida; o namoro não é, por si só, um fato tutelado pelo direito.

Sendo assim, frente a tênue linha que os diferencia, casais de namorados, em regra pessoas mais maduras que já amealharam algum patrimônio ao longo da vida, têm registrado em cartório ou até mesmo elaborado documento particular denominado contrato de namoro, com a principal intenção de efetuar a blindagem do patrimônio presente e futuro de um dos namorados ou até mesmo de ambos. Tal documento possui validade e eficácia jurídica?

DA VALIDADE E EFICÁRIA JURÍDICA DO CONTRATO DE NAMORO

A razão de existir deste peculiar contrato atípico decorreu da Lei nº 9.278/1996 que suprimiu da legislação anterior (Lei nº 8.971/1994) a exigência de lapso temporal de 05 (cinco) anos de vida em comum para o reconhecimento da união estável, ratificada, depois, pelo Código Civil de 2002, que no artigo 1.723 seguiu a mesma linha da lei de 1996.

A partir de então, casais de namorados (namoro qualificado) começaram a se preocupar em proteger o seu patrimônio presente ou futuro, assim como evitar discussões que envolvam regimes de bem, alimentos, partilha e direitos sucessórios, celebrando documento particular ou escritura pública denominada “contrato de namoro”.

Ocorre que, embora não exista uma violação legal na celebração dessa espécie contratual, a doutrina é muito dividida sobre a sua validade no ordenamento jurídico; muitos doutrinadores de peso discordam de a sua eficácia, conforme Maria Berenice Dias:

“Não há como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por exemplo, segue-se longo período de vida em comum, no qual são amealhados bens pelo esforço comum. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito. Não se pode olvidar que, mesmo no regime da separação convencional de bens, vem a jurisprudência reconhecendo a comunicabilidade do patrimônio adquirido durante o período de vida em comum. O regime é relativizado para evitar enriquecimento injustificado de um dos consortes em detrimento do outro. Para prevenir o mesmo mal, cabe idêntico raciocínio no caso de namoro seguido de união estável, negando-se eficácia ao contrato prejudicial a um do par.”

Entendem Caetano Lagrasta Neto, Flávio Tartuce e José Fernando Simão que o contrato de namoro deverá ser considerado nulo por violação da função social do contrato:

“Problema dos mais relevantes é o relacionado à elaboração de um contrato de namoro ou de um contrato de intenções recíprocas entre as partes, justamente para afastar a existência de uma união estável entre elas. Existindo entre os envolvidos uma união estável, conforme outrora manifestado, posiciono-me pela nulidade do contrato de namoro, por afrontar às normas existenciais e de ordem pública relativas à união estável, notadamente por desrespeito ao art. 226, § 3º da Constituição Federal.”

O professor e jurista Rolf Madaleno entende que o contrato de namoro não tem validade:

“(...) nenhuma validade terá um precedente contrato de namoro firmado entre um par afetivo que tencione evitar efeitos jurídicos de sua relação de amor, porque seus efeitos não decorrem do contrato e sim do comportamento socioafetivo que o casal desenvolver (...).

No entanto, outros renomados juristas defendem a sua possibilidade, como o mestre Zeno Veloso:

“Tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um “contrato de namoro”, ou seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de constituir uma entidade familiar, com as graves consequências pessoais e patrimoniais desta.”

Conrado Paulino da Rosa nos ensina que:

“(...) Em nome da autonomia privada, não vemos outra solução do que admitir-se a validade do contrato de namoro. A cada indivíduo que estabeleça um relacionamento com alguém tem liberdade para determinar a forma pela qual será desenvolvido.”

Assim, para os que reconhecem a validade do contrato de namoro, ele é uma espécie de contrato atípico, que deve ser redigido (seja por instrumento público ou particular) com cláusulas claras, expressas e legais no sentido de que naquele momento as partes não tem vontade de constituir entidade familiar, devendo ficar ressaltado no instrumento que as partes são independentes financeiramente uma da outra, aptas para o trabalho, devendo cada uma gerir individualmente o seu patrimônio, dentre outras que demonstrem que se trata apenas de um relacionamento amoroso sem futuras consequências jurídicas.

A doutrina que reconhece a validade dessa modalidade contratual, primordialmente para proteção patrimonial, defende, ainda, que a solução reside no artigo 462 do Código Civil, que possibilita o contrato preliminar, pois se futuramente aquele relacionamento assumir feições de entidade familiar, as normas patrimoniais deverão ser regidas pela separação convencional de bens, previstas nos artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil, inclusive, o próprio magistrado, com fulcro no artigo 170 do Código Civil, poderá converter substancialmente o contrato de namoro em separação convencional, considerando que as partes avançaram no tempo e o relacionamento se transformou em união estável.

Por fim, impende salientar que em precedente paradigmático do STJ (REsp nº 1.454.643/RJ) a Corte Superior entendeu que tem-se namoro qualificado e não união estável quando ausente a intenção presente de constituir uma família, ou seja, reconheceu a existência de ambos os institutos, confirmando que na hipótese de namoro qualificado não há direitos e deveres jurídicos de ordem patrimonial entre os envolvidos (não há reflexos no regime de bens, partilha, alimentos, pensão, direitos sucessórios), o que configura mais um indicativo de que é sim possível atribuir validade e eficácia jurídica ao contrato de namoro.

CONCLUSÃO

Portanto, existe sim diferença entre namoro qualificado e união estável, contudo considerando a forma como o instituto da união estável está regulamentado no ordenamento jurídico, sem a necessidade de um prazo mínimo para a sua configuração, e a ausência de legislação que regulamente sobre o namoro, na prática diferencia-los é uma tarefa árdua para os operadores do direito.

Diante de tais dificuldades, o contrato de namoro, sem dúvida, é um instrumento conveniente, pautado nos princípios da liberdade contratar, da autonomia de vontade e da boa-fé, para afastar o reconhecimento de entidade familiar entre aquelas pessoas que assim desejam, não podendo ser considerado um contrato nulo como defendido por grande parte da doutrina.

No entanto, é evidente que não basta apenas o contrato, se, posteriormente, as circunstancias fáticas demonstrarem que a relação avançou para a configuração de uma união estável, hipótese que deve ser analisada casuisticamente pelo julgador, o que se declarou no instrumento deixa de ter efeito e o Magistrado pode converter substancialmente o contrato de namoro em separação convencional de bens.

Por fim, importante ressaltar que se o contrato for realizado por instrumento público e o namoro terminar é necessário que as partes dissolvam o documento no cartório de notas em que o mesmo foi elaborado.

REFERÊNCIAS:

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007.


FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Famílias. Salvador: JusPodivm, 2019.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

OLIVEIRA, Euclides de. A escalada do afeto no direito de família: ficar, namorar, conviver, casar. Belo Horizonte: IBDFAM, 2005. Anais do V Congresso de Direito de Família. Disponível em:

http://www.ibdfam.org.br/assets/upload/anais/13.pdf

Acesso: 04.05.2020

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: GZ, 2010.

ROSA, Conrado Paulino da. apud NETO LAGRASTA, Caetano; TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Salvador: JusPodivm, 2020.

VELOSO, Zeno. Contrato de Namoro. Disponível em:

https://www.soleis.adv.br/artigocontratodenamorozeno.htm

Acesso em: 04.05.2020

VELOSO, Zeno. É namoro ou União Estável? Belo Horizonte: IBDFAM, 2016. Disponível em:

http://www.ibdfam.org.br/noticias/6060#

Acesso em: 04.05.2020

STJ, Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 03.03.2015
_____________________________

Texto produzido por Mariana Kastrup Buzanovsky Campos - Graduada em Direito pela PUC/RJ. Pós-Graduada lato sensu em Direito Público e Privado pelo ISMP. Curso de Extensão em Direito das Famílias e Sucessões pela PUC/RJ. Membro da Comissão de Direitos das Famílias e Sucessões da Associação Brasileira de Advogados do Rio de Janeiro (ABA/RJ). Membro do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFAM). Fundadora do Instagram @l.a.r.direitosdasfamilias. Advogada atuante da área de Direito das Famílias e Sucessões.

Direito das Familias e Sucessões ABARJ
Somos a Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da ABA RJ. Seja bem-vindo à nossa página. Aqui serão divulgados artigos e estudos realizados pelos membros da comissão. Caso você se interesse em conhecer mais o nosso trabalho, faça contato pelo e-mail: comissaodfs.abarj@gmail.com Presidente: Raphaela Ferrari Vice-presidente: Luciana Marques Secretária: Quezia Goulart
Fonte: comissaofamiliasucessoesabarj.jusbrasil.com.br

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima