A cartilha “Racismo nas Palavras”, produzida pela Associação dos Magistrados de Pernambuco (Amape), tem 13 páginas e sugere a substituição de dez expressões ou palavras. Em vez de “denegrir”, “difamar”. No lugar de “mercado negro”, “mercado ilegal”. Em substituição à “lista negra”, “lista de restrições", além de trocar “a coisa está preta” por “a situação está difícil”, por exemplo.
“O vocabulário é uma expressão de uma estrutura racista. Nós, quando falamos, reforçamos a ideia de que tudo que é preto está ligado a estereótipos subalternos e negativos, nos reforçamos toda uma estrutura que já existe. A estrutura, a semântica, a linguagem, o discurso... É muito ligado ao que existe na realidade”, afirmou a procuradora federal Chiara Ramos, cofundadora do coletivo Abayomi Juristas Negras.
A cartilha é o resultado de um seminário antirracismo online, voltado exclusivamente para magistrados. A ação fez parte da programação do Dia da Consciência Negra e teve o conteúdo disponibilizado online para juízes e todos que tivessem interesse. Porém, o trabalho se tornou alvo de reprovação de um grupo de magistrados.
O “Manifesto pela Magistratura em Pernambuco” foi publicado numa rede social da juíza Andrea Rose Borges Cartaxo, que encabeça o manifesto. O documento aponta que “a infiltração ideológica das ‘causas sociais’ nas pautas levantadas pela Amepe vem causando indignação e desconforto em um número expressivo de associados”.
O manifesto repudia “a produção de cursos, lives, webinários, panfletos, cartilhas e similares em apoio a correntes ideológicas, que provoquem cisões internas e a criação de subgrupos de juízes”. O documento também exige que “a associação utilize seus recursos única e exclusivamente em defesa da Magistratura”. “Somos todos juízes em um propósito comum de união e reconstrução”, conclui o manifesto.
A juíza Andrea Rose Borges Cartaxo não quis gravar entrevista, mas disse à TV Globo, por telefone, que representa um grupo de 34 juízes que, coletivamente, decidiram que ninguém falaria pelo grupo. Ela também falou que as palavras do manifesto estão sendo distorcidas e que só quem é da área pode interpretar as particularidades do posicionamento dos juízes.
O presidente da Associação, que reúne 505 juízes em Pernambuco, disse que o manifesto não reflete a opinião da maioria dos magistrados. “O que os associados pretendiam é que a associação se restringisse a debater aspectos funcionais, mas a esmagadora maioria decidiu trazer temas e pautas sociais relevantes, dentre elas o racismo, que não é um viés ideológico, e sim uma política pública afirmativa e está no contexto dos direitos humanos”, afirmou o juiz Igor Rêgo.
A Seção Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PE) também se pronunciou a favor da cartilha . "O debate sobre o racismo estrutural não pode ser reduzido a uma 'pauta ideológica'. Trata-se de uma pauta humanística, fundamental para o exercício da nobre (e difícil) missão de julgar os semelhantes", disse a autarquia, em nota.
“Essa manifestação é um exemplo evidente do que a gente chama de racismo institucional. Ela não é o crime de racismo como um ato individual, como crime, mas existe o racismo da instituição. As pessoas têm que se apropriar desse debate para que haja efetiva equidade, para que nós possamos romper com toda a herança colonialista e escravagista do Brasil. Só existe justiça possível, democracia viável, com o debate racial”, disse a procuradora federal Chiara Ramos.
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Por Beatriz Castro, TV Globo
Fonte: g1.globo.com
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