Os sintomas da Covid-19 nas relações trabalhistas

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bit.ly/2L2Qj5r | A pandemia da Covid-19 está longe de terminar, lamentavelmente, e já provoca questionamentos sobre os procedimentos disciplinares que empregadores poderiam adotar no ambiente de trabalho e os resultados decorrentes, considerando a aplicação das regras disciplinares possíveis no âmbito do exercício dos poderes do empregador. Ou, em outras palavras, em nome da saúde pública, o que muda?

Ainda estão vigentes as normas de medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública (Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020) e de calamidade pública, reconhecidas pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020 e regulamentadas pela Lei nº 14.020 de 2020.

Com a continuidade e o agravamento da pandemia e novas cepas do vírus, parece que teremos um longo caminho de cuidados enquanto a vacina não chega para todos, e com ela virão outros questionamentos.

Entretanto, algumas empresas não cessaram as atividades e outras vão, aos poucos, retornando com os cuidados necessários para a contenção da contaminação do vírus, exigindo de seus empregados novos hábitos, desde o uso de máscara até o controle de aglomeração de empregados e colaboradores nos locais de trabalho.

Do que tínhamos como regra no ambiente de trabalho, nada teria mudado, mas agora foi acrescentado um componente que, se no passado foi relevado, agora é fundamental para a convivência: o cuidado do outro a partir do cuidado de si próprio, isto é, a solidariedade no combate à Covid-19.

O uso de máscara, por exemplo, não é apenas um cuidado individual, mas diz respeito à proteção do outro e, desse modo, não poderia ser negligenciado no ambiente de trabalho.

Cabe ao empregador criar as condições e exigências necessárias para a proteção dos seus empregados e colaboradores no ambiente de trabalho e, para isso, deveria estabelecer regras claras e fiscalizar de modo severo o comprometimento de todos.

A partir da pandemia da Covid-19, os cuidados ambientais deixaram de ser apenas um compromisso contratual já previsto na CLT, que tem o empregador de cuidar da saúde de seus empregados, inclusive com fornecimento de EPI e fiscalizar seu uso.

A Lei nº 14.019/20, no artigo 3º-B, criou a obrigação de fornecimento de máscara de proteção individual por qualquer estabelecimento em funcionamento nesse período e de forma gratuita, não apenas aos seus empregados, como a todos os colaboradores, isto é, ainda que não empregados.

Destaque-se que a lei ressalva a importância dos outros equipamentos de proteção individual estabelecidos pelas normas de segurança e saúde do trabalho e que devem ser mantidos. Entenda-se por estabelecimento qualquer empresa que estiver em atividade e, nesse sentido, a máscara passou a ser de uso obrigatório, equiparada a outros equipamentos de proteção individual para as pessoas que estejam trabalhando no estabelecimento.

Como o fornecimento de máscara é obrigatório pelo empregador, a este cabe o cuidado de facilitar seu uso com a disponibilidade no local de trabalho em modelo de sua escolha. Naqueles casos em que houver necessidade de máscara específica, o empregador deverá disponibilizar sempre de forma gratuita. Seria conveniente que, para evitar reuso de máscaras, que elas fossem oferecidas em modelos descartáveis, diariamente.

A resistência do empregado ao uso de máscara de proteção fornecida pelo empregador poderia ser assimilada à recusa de utilização de equipamento de proteção individual, passível de punição até com falta grave. Contrariamente, o empregador que releva o uso de máscara pelos seus empregados poderá ser responsabilizado civilmente em caso de contaminação no local de trabalho.

Com a chegada da vacina, os problemas não seriam menores porque se dissemina na sociedade um incentivo à atitude de sua rejeição.

Esse não é um tema simples. A obrigatoriedade de tomar vacina foi objeto da tese de repercussão geral fixada pelo STF no ARE 1267879:

O tribunal, por unanimidade, apreciando o Tema 1.103 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do relator. Foi fixada a seguinte tese: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar". Presidência do ministro Luiz Fux. Plenário, 17/12/2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência — Resolução 672/2020/STF).

Nas ADIs 6586 e 6587, com relatoria do ninistro Lewandowski, foi fixada tese de que a vacinação forçada, isto é, a que independa do expresso consentimento informado das pessoas é inconstitucional, todavia, poderá ocorrer de forma legítima a previsão de vacinação obrigatória, com direito à informação, à assistência familiar, "ao tratamento gratuito e respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes".

Em resumo e na disposição final (V) permaneceu a orientação de que "ADIs conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, de maneira a estabelecer que: (A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência".

Nessa linha, ao que tudo indica, se houver determinação da sua obrigatoriedade, em se tratando de saúde pública, deve prevalecer o bem-estar de todos e não se admitiria a recusa pelo empregado, especialmente se a atividade envolve os cuidados de terceiros ou relacionamento com vulneráveis potenciais. Nessa hipótese, caberia, no nosso sentir, em respeito às suas convicções, a rescisão do contrato de trabalho sem justa causa.

São situações que serão objeto de avaliação nos locais de trabalho e, tal como ocorre com frequência, os aspectos fáticos serão fundamentais para a solução e adequação das regras disciplinares, considerando sempre que se trata de saúde pública e obrigação de todos.

Por enquanto, estamos na fase do uso das máscaras e das contaminações do Covid-19, que já trazem dificuldades disciplinares no ambiente de trabalho, mas que tendem a mudar com o aumento da solidariedade e da responsabilidade de um por todos e de todos por um.
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Por Paulo Sergio João, é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Fonte: Conjur

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