Juiz do caso Kiss defende condenação por dolo eventual no caso da tragédia

juiz kiss condenacao dolo eventual tragedia
Via @consultor_juridico | "A plausibilidade do dolo eventual foi afirmada pelo juiz de Santa Maria, que pronunciou os réus. Isso foi confirmado por dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; um votou vencido, o que levou a uma nova apreciação ainda no TJ-RS, quando a votação ficou 4 a 4. Houve recurso para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), em que cinco ministros afirmaram a plausibilidade do dolo eventual. Essa plausibilidade foi incrementada por um juízo de certeza dos jurados, que votaram pelo dolo eventual", disse o juiz Orlando Faccini Neto, que comandou o julgamento da tragédia da boate Kiss, em entrevista publicada pela Folha de S.Paulo nesta terça-feira (14/12).

O magistrado ainda disse concordar com o desfecho do Tribunal do Júri após dez dias de sessões e afirma que seu grande objetivo foi alcançar um resultado que "não contenha risco de anulação". "Estou de acordo com a decisão do júri e estaria de acordo fosse ela qual fosse. Sou um magistrado que acredita na instituição do júri. Acho que ele precisa de reformas simplificadoras, que o situem no século 21, mas, enquanto expressão de um sistema de Justiça democrático, acho que o júri acerta sempre."

Faccini disse que buscou "garantir que, diante de uma situação tão difícil, o julgamento se concretizasse em bases racionais, jurídicas, dentro de um cenário de serenidade, equilíbrio".

Na última sexta (10/12), o juiz anunciou a condenação dos quatro réus acusados por homicídio e tentativa de homicídio por dolo eventual no incêndio que, quase nove anos atrás, deixou 242 mortos e mais de 600 feridos. As penas chegam a 22 anos de prisão.

A decisão partiu do corpo de sete jurados. O magistrado tinha três sentenças encaminhadas, baseadas nas teses apresentadas pelas partes: absolvição, desclassificação (retirando o dolo) ou condenação.

Professor na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ele diz que não costuma falar de seus casos em sala de aula. "No sábado (11/12), fiquei mais recatado, acompanhando a repercussão nas redes sociais e na imprensa. No domingo, eu estava mais recuperado e foi possível entender que o júri se concluiu, já olhando para a frente, encarando o futuro. A carga emocional de um caso como esse é imensa."

Como juiz do tribunal do júri, Faccini disse considerar que, "o ponto de vista das vítimas ou dos familiares das vítimas é deixado muitas vezes em segundo plano". "Há doutrina estrangeira que preconiza o inverso. Há países em que, após a condenação, existem audiências tendentes a escutarem-se vítimas e familiares acerca da pretensão de pena que possuem. Noutros casos, se traz a intensidade do sofrimento, a dor da perda, circunstâncias que são peculiares às pessoas lesadas, como relevantes para a dosimetria da pena."

"É importante dizer que a perspectiva da vítima não é de ser tomada em conta para o juízo de condenação ou absolvição. Isso se faz a partir das provas do processo. Agora, quando há um desprezo completo à condição da vítima, o sistema penal passa a olhar simplesmente para aquele que infringiu a lei. É necessário que olhe também para aquele que, sem infringir a lei, teve sua condição de vida degradada ou piorada."

"O processo penal e a sentença criminal precisam produzir algum apaziguamento no espírito daquele que foi violado por outrem. Eu percebi isso no caso: em alguma medida, as pessoas envolvidas com o episódio enunciaram que se sentiram respeitadas pelo sistema de Justiça. O que, em última análise, significa respeitadas pelo Estado", finaliza.

Sobre o Habeas Corpus que impediu o cumprimento imediato da sentença, o disse achar a "liminar explicável, do ponto de vista jurídico, porque há discussões acerca do tema". "Porém devo dizer que cumpri estritamente o Código de Processo Penal. De outra parte, a Constituição diz que cabe HC quando o constrangimento a liberdade de locomoção é ilegal. Não se trata de um ponto de vista exclusivo do desembargador que deu a liminar. Muitas pessoas pensam como ele. Eu discordo, mas respeito e, como juiz subordinado à hierarquia do tribunal, cumpri a decisão sem nenhum constrangimento ou crítica."

Professor de direito penal na Federal gaúcha, Orlando Faccini Neto, 45, é formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa, professor do mestrado do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), em Brasília.

Fonte: Conjur

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima