Teoria da perda da chance leva em conta frustração de oportunidade real

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A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu na França (perte d'une chance), na década de 60, com o objetivo de imputar responsabilidade a um médico que, ao errar um diagnóstico, retirou as chances de sobrevivência da vítima.

Atualmente, essa teoria possui ampla aceitação no ordenamento jurídico brasileiro, como uma caracterizadora de dano na esfera da responsabilidade civil, ainda que incerta a concretização da vantagem esperada pela vítima, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência a sua aplicação com base na analogia com o direito comparado.

Este artigo focará principalmente na análise dos critérios de aplicação da teoria da perda da chance no ordenamento jurídico brasileiro, abordando também os parâmetros utilizados pelos tribunais para quantificação do dano.

A aplicação da teoria

A responsabilidade civil por perda de uma chance reconhece a possibilidade de indenização nos casos em que alguém se vê privado da oportunidade de obter uma futura vantagem ou de evitar um prejuízo, devido à prática de um dano injusto.

A chance perdida deverá ser séria e real, representado muito mais do que uma simples esperança subjetiva da vítima. Cabe, portanto, ao magistrado analisar a probabilidade de obtenção do resultado esperado com base na ciência estatística.

Assim, para que se configure a responsabilidade civil por perda de uma chance, é necessário que estejam presentes as condições que ocasionaram a reparação, como o dano (perda da probabilidade séria e real), a conduta omissiva ou comissiva do agente, e o nexo causal entre tal conduta e o resultado danoso.

O ordenamento jurídico brasileiro não regulamenta o instituto de forma expressa, porém os artigos 5º da Constituição e 186 e 927 do Código Civil reconhecem o direito indenizatório da vítima em caso de danos causados por terceiros. Assim, não há como ignorar a existência de um dever de reparação nos casos em que a vítima perde uma oportunidade bastante razoável de se obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, em razão de um dano causado por outra pessoa.

Na hipótese de chance séria e real, esta passa a ter valor econômico e, portanto, a ser passível de indenização. Sob esta perspectiva, é que se admite que a chance passa a integrar o patrimônio do indivíduo.

Recentemente, a Terceira Turma do STJ aplicou a teoria para condenar um advogado a indenizar sua cliente, em cerca de R$ 7 mil, por ter perdido o prazo para apresentação de embargos monitórios. De acordo com o jugado, caso o advogado tivesse apresentado os embargos tempestivamente, a cliente poderia ter tido algum proveito — ainda que parcial ou ínfimo — com o seu julgamento.

É importante destacar que a indenização por perda da chance jamais poderá ser igual ao benefício que a vítima obteria se tivesse conseguido o resultado útil esperado, já que caso a indenização seja fixada em valor igual ao que a vítima deixou de lucrar, o caso seria de lucros cessantes e não de perda de uma chance.

Assim, para a quantificação da indenização, o magistrado deverá partir do valor do resultado útil esperado e sobre este fazer incidir o percentual de probabilidades de a vítima obter aquele resultado, não fosse o ato do ofensor. Ou seja, a chance de lucro sempre deverá representar valor inferior à vitória esperada.

Sobre o tema, também vale mencionar o caso do "Show do Milhão" (REsp nº 788.459/BA), que é considerado o leading case em matéria de responsabilidade civil por perda de uma chance no STJ. A participante em questão tinha acertado todas as perguntas até o momento, chegando na "pergunta do milhão" e acumulando, assim, R$ 500 mil até aquela etapa.

A pergunta do milhão era a seguinte "A Constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território Brasileiro?". Como possíveis respostas, a programa apresentou quatro opções: (a) 22%, (b) 2%, (c) 4% ou (d) 10%”. No entanto, a participante optou por não a responder e encerrar sua participação, por entender que a pergunta, da forma em que foi formulada, não havia como ser respondida, já que não há na Constituição qualquer indicação ao percentual relativo às terras reservadas aos indígenas.

Em sede de ação indenizatória, a participante requereu a condenação da emissora ao pagamento de R$ 500 mil, por ter perdido a chance de receber essa quantia em razão da conduta da ré de formular uma pergunta impossível de ser respondida. A sentença julgou procedente o pedido, o que foi mantido em segunda instância.

A ré, então, interpôs recurso especial, tendo o STJ reformado a decisão para reconhecer que as chances de acerto da "pergunta do milhão" seriam de 25% (R$ 125 mil), percentual que refletiria as reais expectativas de êxito da participante, já que a pergunta do milhão continha quatro alternativas de resposta.

Nesse caso, o STJ aplicou corretamente os parâmetros para a quantificação do dano decorrente da perda da chance, já que caso a indenização fosse mantida no valor de R$ 500 mil, estar-se-ia premiando a vantagem frustrada e não a chance perdida pela participante.

Dessa forma, a adoção da teoria da perda da chance exige que o julgador bem saiba analisar a seriedade da chance perdida, sendo esta indenizável desde que, mais do que uma possibilidade, haja uma probabilidade suficiente de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. Em outras palavras, deverá ser afastada qualquer reparação por frustração de esperanças subjetivas e imaginárias, eis que não merecedoras de tutela.

A quantificação do dano em questão deverá ser feita de forma equitativa pelo julgador, com base na análise da probabilidade de obtenção do resultado esperado pela vítima, o que resultará necessariamente em um valor inferior ao do benefício perdido.

Embora a doutrina e a jurisprudência já tenham delineado relevantes fundamentos a serem considerados na análise de eventual caso concreto. Esse debate jurídico é relativamente recente e ainda enseja em entendimentos controversos perante os tribunais brasileiros, principalmente quanto à análise dos parâmetros de quantificação da chance perdida. Assim, fica principalmente a cargo dos doutrinadores e dos operadores do direito o desenvolvimento do assunto na seara da responsabilidade civil.

Por Estela Aquino
Fonte: Conjur

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