Segundo Bottan, o nome do personagem Floribaldo Mussolini, descrito na obra como juiz especial cível do Tribunal de Justiça de Santa Ignorância, na República Federativa da Banalândia, seria um trocadilho com o sobrenome Rabaldo e uma maneira encontrada pela advogada para humilhá-lo por discordar de suas decisões. O nome do juiz não consta no livro.
Saíle também foi condenada a remover postagens contra decisões judiciais feitas nos meses de setembro e novembro de 2020 em sua página "Diário de uma advogada estressada", que conta com mais de 100 mil seguidores no Facebook, sob pena de multa diária de R$ 500 em caso de descumprimento.
A advogada ainda foi proibida de fazer novas publicações de cunho "difamatório, calunioso ou ultrajante" contra o autor, também sujeitas a multa de mesmo valor.
A decisão é de primeira instância e cabe recurso.
Antes de acolher parcialmente o pedido de Bottan, que pedia indenização de R$ 100 mil e remoção do livro de Saíle, o juiz Humberto Goulart da Silveira, da 8ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, responsável pela sentença publicada nesta quarta-feira (1º), reconhece que o magistrado autor do processo não foi identificado pela escritora.
"Perceba-se que as postagens difamatórias contra sujeito anônimo, indeterminado e não identificável não podem ser tomadas como capazes de macular a honra de ninguém publicamente, sobretudo porque não se mostra possível a individualização do destinatário das ofensas."
Apesar disso, o juiz afirma que "o entrelaçamento dos atos e o contexto no qual estavam inseridas permitiu a vinculação das agressões pretéritas ao nome do julgador posteriormente divulgado, de forma a trazer a lume verdadeiro ilícito".
À Folha de S.Paulo Saíle afirmou ter sido "marcada" pelo juiz por ter feito uma reclamação à Corregedoria de Justiça contra ele, em 2018, em razão de uma movimentação em bloco de processos.
Ela reclamou nas redes de uma decisão desfavorável do magistrado, que havia reduzido o valor de um processo, acusando o juiz de agir por vingança.
Bottan, em 2021, disse à reportagem que não houve nada anormal na decisão e que foi no dia seguinte à negação do recurso apresentado por Saíle que o livro sobre a comarca de São Barnabé, "esquecida por Deus (e pela Corregedoria)", foi anunciado.
A reportagem tentou contato com Bottan nesta quinta-feira (2), mas não houve resposta até a publicação deste texto.
Em uma postagem datada com o ano 1964, quando foi instaurada a ditadura militar no Brasil, Saíle publicou no Facebook os trechos da sentença, omitindo o nome do juiz.
"Em um país em que empréstimos feitos sem autorização, inclusive com assinatura falsificada, os bandidos são condenados a pagar mil reais, eu fui condenada a pagar 50 mil, com juros e honorários para um juiz que se acha personagem de livro."
"Somando tudo, acho que preciso me desfazer de tudo que tenho para cobrir o rombo, se os tribunais superiores confirmarem esse escárnio", disse.
A advogada da escritora, Deborah Sztajnberg, que atuou no caso do pesquisador Paulo César de Araújo, processado por Roberto Carlos por ter lançado uma biografia não autorizada, classificou a decisão como um ato censura e assédio judicial e afirmou que vai recorrer junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
"Essa sentença é um absurdo jurídico e não devia nem estar no mundo, porque é tão absurdo você nem dizer o nome da pessoa e 'ah, é porque é um juiz de uma comarca do interior'. Isso não existe e não pode ser levado a sério. Não pode você ser condenado por [alguém] supostamente achar que é protagonista de um livro que não é."
Sztajnberg disse que juízes, promotores e defensores desaprovam esse processo e "acham que é lei da mordaça". "A censura hoje em dia tem outro formato, que é o assédio judicial. Tudo vira processo, tudo é dano moral", diz.
A advogada conta que Saíle, que também responde a processo na esfera penal por calúnia, injúria e difamação, foi obrigada a mudar de estado e teve a vida devastada emocionalmente e financeiramente.
A obra questionada pelo magistrado é o quinto livro da advogada. Ela começou a escrever textos de humor sobre o meio jurídico em 2013, com boa aceitação do público, que tem manifestado apoio diante do caso.
Géssica Brandino
Fonte: @folhadespaulo
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