No caso, o casamento ocorreu em 22 de março de 1976, sob o regime da comunhão universal, resultando da união três filhos, todos maiores. O casal estava separado de fato desde julho de 2020, em virtude de medidas protetivas determinadas num processo em razão do qual o recorrente deixou o lar conjugal.
Contudo, o recorrente que figurava como demandante, noticiou o óbito da demandada durante a tramitação do processo e requereu a extinção sem resolução do mérito.
Direito potestativo
Ao analisar o caso, o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator, explicou que após a edição da EC 66/10, é possível a dissolução do casamento pelo divórcio, independentemente de condições e exigências de ordem temporal previstas na Constituição ou por ela autorizadas, passando a constituir direito potestativo dos cônjuges, cujo exercício decorre exclusivamente da manifestação de vontade de seu titular.
"Com a alteração constitucional, a preservação da esfera de autonomia privada dos cônjuges, bastando o exercício do direito ao divórcio para que produza seus efeitos de maneira direta, não mais se perquirindo acerca da culpa, motivo ou prévio à separação judicial do casal. Origina-se, pois, do princípio da intervenção mínima do Estado em questões afetas às relações familiares."
O ministro ressaltou que a caracterização do divórcio como direito protestativo ou formativo, compreendido como o direito a uma modificação jurídica, implica reconhecer que o seu exercício ocorre de maneira unilateral pela manifestação de vontade de um dos cônjuges, gerando um estado de sujeição do outro cônjuge.
S. Exa. observou que na hipótese, após o ajuizamento da ação do divórcio, o cônjuge requerido manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquecer ao pedido que foi formulado em seu desfavor e formulou o pedido reconvencional, requerendo o julgamento antecipado e parcial do mérito quanto ao divórcio.
"É possível reconhecimento e validação da vontade do titular do direito mesmo após sua morte, conferindo especial atenção ao desejo de ver dissolvido o casamento, uma vez que houve manifestação de vontade indubitável no sentido do divórcio proclamado em vida e no bojo da ação do divórcio."
Não se está a reconhecer a transmissibilidade do direito protestativo ao divórcio, explicou o ministro. "O direito já foi exercido e cuida-se de preservar os efeitos que lhe foram atribuídos pela lei e pela declaração de vontade do cônjuge falecido", incluiu, reconhecendo a legitimidade dos herdeiros do cônjuge falecido para prosseguirem no processo e buscar a decretação do divórcio post mortem.
"A intenção do autor da ação de ver extinto o processo sem resolução de mérito revela comportamento contraditório com a anterior conduta de pretender a decretação do divórcio. O nemo potest venire contra factum proprium tem por efeito impedir o exercício de comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento nos princípios da boa-fé e da confiança legítima, sendo caracterizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou protestativo."
Diante disso, fixou a possibilidade de decretação do divórcio post mortem e desproveu o recurso.
- Processo: REsp 2.022.649
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