A parte ré, representada pelo advogado criminalista Otto Lopes (@drottolopes), sustentou que não havia prova da materialidade, que o laudo cadavérico não permitia concluir por morte violenta e que os indícios eram insuficientes para sustentar a acusação. Em relato à reportagem, o defensor destacou que a mudança de postura do Ministério Público ocorreu apenas após a exposição completa da tese defensiva:
“O Ministério Público, na primeira fala, sustentou a condenação afirmando haver prova da materialidade e da autoria. Depois apresentamos nossa tese defensiva, demonstrando a inexistência de materialidade com o auxílio de infografias, documentos antigos e matérias de jornal que constam dos autos, inclusive reportagens do jornal A Tarde da época. Também foram ouvidos os filhos, hoje adultos, que prestaram depoimentos em favor do réu. Somente após essa exposição o promotor voltou, na réplica, e pediu a absolvição, posição que reiteramos na peroração final.”
Entenda o caso
O processo teve início após o desaparecimento de uma mulher na cidade de Catu, no final da década de 1990. Dias depois, um corpo foi encontrado em Salvador, envolto em uma colcha atribuída ao casal, o que levou a polícia a direcionar suspeitas ao então companheiro. A denúncia apontava histórico de conflitos entre o casal e destacava elementos circunstanciais encontrados no local.
Contudo, o laudo de exame cadavérico apresentado no processo registrava causa indeterminada da morte, sem comprovar homicídio. Além disso, não havia identificação técnica conclusiva do corpo como sendo da mulher desaparecida. Ainda assim, o caso seguiu para julgamento pelo Tribunal do Júri, após pronúncia com base em indícios formais de materialidade e autoria.
Fundamentos da decisão
Durante a sessão de julgamento, colhidos os depoimentos das testemunhas e realizado o interrogatório do réu, as partes iniciaram os debates. O Ministério Público, que inicialmente sustentara a acusação ao longo do processo, pugnou em plenário pela absolvição, afirmando inexistir materialidade delitiva.
A defesa, por sua vez, reiterou a tese de ausência de materialidade e negativa de autoria, sustentando que o processo jamais apresentou prova técnica capaz de confirmar o crime. Após os debates, o Conselho de Sentença respondeu negativamente ao quesito sobre a materialidade do crime de homicídio, decisão que tornou prejudicados os demais quesitos, incluindo o de ocultação de cadáver.
Considerações finais
Em contato com a reportagem, o advogado Otto Lopes (@drottolopes) acrescentou uma contextualização essencial sobre a dinâmica do julgamento. Segundo ele, a virada em plenário não decorreu de iniciativa espontânea do Ministério Público, mas do impacto direto da sustentação defensiva:
“E é importante destacar isso, para não ficar a impressão de que o mérito foi do MP por reconhecer. Não. O MP entra na primeira fala pedindo a condenação. Após a sustentação da defesa, conseguimos demonstrar que o corpo encontrado não era da esposa do réu. Até os filhos, que na época eram crianças e hoje são adultos, depuseram a favor dele. Só então o Ministério Público volta e pede a absolvição.”
O advogado também relatou um momento marcante antes da sessão:
“Quando cheguei, dei bom dia e perguntei ao promotor se ele ia pedir absolvição. Ele perguntou: ‘Por quê, doutor?’. Eu respondi: por ausência de materialidade.”
A absolvição representa um caso emblemático no Tribunal do Júri baiano, evidenciando os limites da persecução penal quando não há comprovação mínima da existência do crime. O reconhecimento, pelo próprio Ministério Público, da ausência de materialidade reforça a importância do controle probatório em acusações de alta gravidade, especialmente em processos prolongados e permeados por lacunas técnicas. Segundo a defesa, o desfecho restabelece a justiça após quase três décadas de incerteza e reafirma o papel constitucional do Júri Popular.
Processo nº 0000273-65.2001.8.05.0054

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