33 decisões sobre a Lei Maria da Penha

33 decisoes sobre lei maria penha
bit.ly/3aNvl4H | O Supremo Tribunal Federal resolveu grandes celeumas da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) ao decidir a ADC 19/DF e a ADI 4424/DF, em 09/02/2012, processos relatados pelo Min. Marco Aurélio. O Tribunal considerou constitucionais os art. 1º, 33 e 41 da Lei n. 11.340/2006. Além disso, deu interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da lei, para estabelecer a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta.

Para o STF, o tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem –, se harmoniza com a Constituição Federal, por ser necessária a proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher (maior vulnerabilidade) e também levando em conta a cultura brasileira.

Segundo o Tribunal, o art. 41 da Lei Maria da Penha, objeto de divergência doutrinária e jurisprudencial na época, que afastava nos crimes de violência doméstica contra a mulher, a aplicação da Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), “mostra-se em consonância com o disposto no § 8º do artigo 226 da Carta da República, a prever a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares.”

Nesse julgamento, o Supremo também solucionou outro impasse comum na doutrina e na jurisprudência (inclusive do STJ): a natureza da ação penal em caso de lesão corporal resultante de violência doméstica. Considerou-se que a ação penal nesse caso é pública incondicionada.

Em decorrência desses posicionamentos do STF, o Superior Tribunal de Justiça veio a editar enunciados de súmula corroborando a posição tomada nas ações acima.

Após analisar dezenas de decisões do STF e do STJ, fizemos um apanhado dos principais entendimentos destes tribunais acerca da Lei Maria da Penha. Seguem as principais decisões:

1) Para incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra de: (a) ação ou omissão baseada no gênero; (b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; decorrendo daí (c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A norma se destina às hipóteses em que a “violência doméstica e familiar contra a mulher” é praticada, obrigatoriamente, seja no âmbito da unidade doméstica, seja familiar ou seja em qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, I, II e III, da Lei n. 11.340/2006) – HC 500.627/DF, DJe 13/08/2019. Ressalte-se que “para a aplicação da Lei 11.340/2006, não é suficiente que a violência seja praticada contra a mulher e numa relação familiar, doméstica ou de afetividade, mas também há necessidade de demonstração da sua situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, numa perspectiva de gênero.” (AgRg no AREsp 1700032/GO, 14/12/2020).

2) Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima – Súmula 600 do STJ;

3) É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas – Súmula 589 do STJ;

4) A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos – Súmula 588 do STJ;

5) A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada – Súmula 542 do STJ;

6) A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha – Súmula 536 do STJ;

7) A Lei Maria da Penha pode incidir na agressão perpetrada pelo irmão contra a irmã na hipótese de violência praticada no âmbito familiar (AgRg no AREsp 1437852/MG, DJe 28/02/2020);

8) A Lei 11.340/06 buscou proteger não só a vítima que coabita com o agressor, mas também aquela que, no passado, já tenha convivido no mesmo domicílio, contanto que haja nexo entre a agressão e a relação íntima de afeto que já existiu entre os dois. É irrelevante o lapso temporal da dissolução do vínculo conjugal para se firmar a competência do Juizado Especializado nos casos em que a conduta imputada como criminosa está vinculada à relação íntima de afeto que tiveram as partes (HC 542.828/AP, DJe 28/02/2020);

9) É inaplicável a Lei n. 9.099/1995 às condutas delituosas praticadas em âmbito doméstico ou familiar, inclusive as contravenções (AgRg no REsp 1795888/DF, DJe 12/12/2019);

10) A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal [f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica], de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não acarreta bis in idem (AgRg no AREsp 1363157/SP, DJe 17/12/2019 e AgRg no HC 597.438/SC, DJe 02/12/2020). Semelhantemente: não há ilegalidade na incidência da aludida agravante, aplicada em relação ao crime de ameaça, ainda que em conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 (HC 525.597/SC, julgado em 17/10/2019.

Ao julgar o HC 520.681/RJ, em 22/10/2019, a Turma considerou, todavia, que há bis in idem se houver cumulação da agravante do art. 61, II, “f” com a qualificadora do art. 121, § 2º, VI c/c § 2º-A, praticado no contexto da violência doméstica.

11) A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade – art. 16. Descumpre esse dispositivo a retratação da ofendida ocorrida em cartório de Vara, sem a designação de audiência específica necessária para a confirmação do ato (HC 138.143/MG, 10/09/2019);

12) Eventual não comparecimento da ofendida à audiência do art. 16 da Lei Maria da Penha ou a qualquer ato do processo não pode ser considerado como “retratação tácita”. Pelo contrário: se a ofendida já ofereceu a representação no prazo de 06 (seis) meses, nada resta a ela a fazer a não ser aguardar pelo impulso oficial da persecução criminal (EDcl no REsp 1822250/SP, 11/11/2019);

13) Para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher (AgRg no REsp 1842913/GO, 19/12/2019). Assim, por exemplo, o STJ não aplicou a Lei Maria da Penha em crime de ameaça entre sogra e nora, pois não foi causado em virtude da vulnerabilidade ou com conotação de violência de gênero. A aplicação da lei exige situação de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade – HC 175.816/RS, DJe 28/06/2013;

14) Estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica e podem ser vítimas da ação delituosa as esposas, as companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas do agressor e também a sogra, a avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar ou afetivo com ele (HC 310.154/RS, DJe 13/05/2015);

15) É admissível a impetração de HC contra a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, a exemplo das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, pois afetam a liberdade de locomoção do indivíduo e podem ser convertidas em prisão, se descumpridas (HC 479256/AM, DJe 05/12/19);

16) O fato de a vítima ser figura pública renomada não afasta a competência do Juizado de Violência Doméstica para processar e julgar o delito (REsp 1.416.580/RJ, 1º/04/2014);

17) O art. 33 da Lei nº 11.340/06, no que revela a conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não implica usurpação da competência dos Estados quanto à própria organização judiciária (ADC 19/DF, DJe 29/04/2014)

18) Com a entrada em vigor do art. 24-A na Lei Maria da Penha em virtude da Lei n. 13.641/2018 [descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 meses a 2 anos] restou superada a posição do STJ segundo a qual não havia crime de desobediência em caso de descumprimento de medida protetiva. Por ser novatio legis in pejus (nova lei penal prejudicial ao acusado), a Lei n. 13.641/2018 não retroage aos fatos anteriores à publicação ver, por exemplo: AgRg no AREsp 1216126/MG, 03/09/2018.

19) O Juizado de Violência Doméstica tem competência para julgar a execução de alimentos que tenham sido fixados a título de medida protetiva de urgência fundada na Lei Maria da Penha em favor de filho do casal em conflito (REsp 1.475.006/MT, 14/10/2014);

20) A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Exclui-se da competência destes a pretensão relacionada à partilha de bens (inovação trazida pela Lei n. 13.894, de 29/10/2019).

21) Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido, por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu resultado ocorrer no Brasil (CC 150.712/SP, 19.10.2018);

22) Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória (REsp 1.643.051/MS, 08/03/2018);

23) O INSS deverá arcar com a subsistência da mulher que tiver de se afastar do trabalho para se proteger de violência doméstica (REsp 1757775/SP, 02/09/2019)

24) A palavra da vítima tem especial relevância nos casos de violência doméstica, uma vez que geralmente ocorrem sem a presença de testemunhas (RHC 115.554/RS, 1º/10/2019). Em casos de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância, haja vista que em muitos casos ocorrem em situações de clandestinidade (HC 615.661/MS, 30/11/2020).

25) Compete ao juízo da vara especializada em violência doméstica e familiar a apreciação do pedido de imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista, por até seis meses, em razão de afastamento do trabalho de ofendida decorrente de violência doméstica e familiar (REsp 1.757.775/SP, 02/09/2019).

26) O artigo 17 da Lei n. 11.340/2006 expressamente veda a aplicação da multa, de forma autônoma ou isolada, nos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher (AgRg no REsp 1801196/RJ, 06/06/2019);

27)  É incabível em crimes ou contravenções penais praticados em contexto de violência doméstica a aplicação de “pena de cesta básica” ou outra de prestação pecuniária, ainda que os delitos pelos quais o réu haja sido condenado tenham previsão alternativa de pena de multa” (AgRg no REsp 1691667/RJ, 09/08/2018).

28) A extinção de medida protetiva de urgência diante da homologação de acordo entre as partes não afasta a competência da Vara Especializada de Violência Doméstica ou Familiar contra a Mulher para julgar ação de divórcio fundada na mesma situação de agressividade vivenciada pela vítima e que fora distribuída por dependência à medida extinta (REsp 1.496.030/MT, 19/10/2015);

29) As medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. As medidas de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal (REsp 1419421/GO, 07/04/2014);

30) As medidas de urgência, protetivas da mulher, do patrimônio e da relação familiar, somente podem ser entendidas por seu caráter de cautelaridade – vigentes de imediato, mas apenas enquanto necessárias ao processo e a seus fins; não podendo ser fixadas por tempo indeterminado (AgRg no AREsp 1550287/MG,  11/11/2019).

31) É possível a aplicação da Lei Maria da Penha ao crime de ameaça realizada por ex-namorado à mulher via Facebook (CC 150.712/SP, DJe 19/10/2018)

32) É descabida a preponderância de um fator meramente etário, para afastar a competência da vara especializada e a incidência do subsistema da Lei Maria da Pena, desconsiderando o que, na verdade, importa, é dizer, a violência praticada contra a mulher (de qualquer idade), no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. A ideia de vulnerabilidade da vítima que passou a compor o nome do delito do art. 217-A do Código Penal tem o escopo de afastar relativizações da violência sexual contra vítimas nessas condições, entre elas as de idade inferior a 14 anos de idade, não se exigindo igual conceito para fins de atração do complexo normativo da Lei Maria da Penha (REsp 1652968/MT, 18/12/2020)

33) A Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos. (AgRg no AREsp 1439546/RJ, 05/08/2019 e AgRg nos EDcl no AREsp 1638190/RJ, 27/11/2020).
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Escrito por Rodrigo Leite
Mestre em Direito Constitucional, Autor,
Assessor no TJRN e Conteudista do SupremoTV.
Fonte: blog.supremotv.com.br

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